segunda-feira, março 20, 2006

 

Artigo Publicado no Dia D

Para além dos impropérios anónimos que recebi na sequência do artigo publicado na revista dia D do Público (onde abundam as palavras ignorante e neoliberal), existem duas críticas substantivas que vários bloggers expressaram que merecem atenção especial:

(a) O crescente economicismo no Direito: não gosto da palavra economicista porque creio que confunde dois tipos de problemas muito distintos.

(i) Muitos referem-se ao managerialism, isto é, a obsessão com a redução de custos. É a perspectiva do estudo do Conselho da Europa curiosamente elaborado por juristas e sociólogos, mas não economistas. Nesta matéria estou absolutamente de acordo com os juristas. É uma perspectiva perigosa e metodologicamente errada que pode levara decisões incorrectas. Em vez de economicismo, eu chamo a isto má análise económica.

(ii) Outros referem-se ao utilitarianism, isto é, a uma visão utilitarista do Direito. Podemos distinguir perspectivas utilitaristas exclusive (Posner, as escolas de Chicago e Harvard em geral, veja-se o recente livro de Kaplow e Shavell, Fairness vs. Welfare) que negam qualquer vocação moral inerente ao Direito e inclusive (onde eu me revejo, as escolas de Yale e Berkeley em geral) que reconhece limites lógicos a uma perspectiva normativa utilitarista do Direito. Porém em Portugal, como na Europa, incluindo o Reino Unido, o pensamento jurídico de base utilitarista desapareceu no século XX por razões ainda não muito claras (existem imensos artigos sobre o tema). Isso não aconteceu nos Estados Unidos. Podemos dizer que qualquer perspectiva utilitária choca com o pensamento jurídico português vigente. Simplesmente desde os anos 30 ou 40 que existe uma uniformidade no pensamento jurídico português contrário ao utilitarismo (isso não significa que todas as correntes do pensamento jurídico português sejam contrárias ao utilitarismo pelas mesmas razões). Qualquer análise económica é utilitarista pelo que quem é incapaz de contemplar uma perspectiva utilitarista, não pode aceitar a análise económica do Direito.

(b) A actual separação de poderes é uma garantia contra o totalitarismo; qualquer reforma que passe por uma maior intromissão da Assembleia da República no poder judicial levará a uma ditadura.

(i) O modelo anglo-saxónico em várias modalidades baseia-se nos balances and checks. Não há separação de poderes. O poder legislativo interfere com o poder judicial e vice-versa; o poder executivo interfere com o poder judicial vice-versa. Nos últimos duzentos anos, nem os Estados Unidos, nem o Reino Unido, nem os Dominions que importaram esse modelo tiveram ditaduras, totalitarismos, etc. Existiram graves crises do sistema judicial, duros confrontos entre poder político e poder judicial (Roosevelt e o governo dos juízes por exemplo), evolução, mas não ruptura.

(ii) O modelo continental criou este mito da separação do poder judicial dos poderes legislativo e executivo. Para além de essa separação não ter evitado as ditaduras, o totalitarismo, etc., este modelo está ciclicamente em ruptura. Nos últimos 50 anos funcionalizou-se o poder judicial. Por outro lado, usando o principio da separação de poderes, limitou-se a intromissão do poder judicial no poder legislativo e executivo. Ao contrário de outros países, em Portugal nem sequer temos a tradição da Assembleia da República nomear magistrados para proceder a inquéritos a políticos (onde estão os famosos independent prosecutors, independent porque especialmente nomeado para conduzir um determinado inquérito parlamentar). Quanto a mim, se quem controla o orçamento da justiça é o Governo e não o poder judicial, como se pode falar de efectiva separação de poderes?

Comments:
Se um americano ou um inglês medianamente cultos ouvirem um qualquer portuga afirmar que eles não têm separação de poderes, apenas confirmarão a convicção que já têm de que Portugal é um país de pessoas estranhas.
 
Esse americano ou inglês medianamente culto sabe que não tem separação de poderes a la francesa como o tal portuga. Ele seguramente já leu Strategic Constitution de Robert Cooter e talvez até mesmo o artigo Courts publicado no QJE e conhece o projecto de Lexis Mundis. Ele não se deixa enganar pelo jogo hábil de palavras que fazem no velho continente...
 
Bom thread...

Disse no comentário ao post anterior sobre o artigo publicado no Dia D que a sepração de poderes continental é apenas uma técnica particularmente má de aplicar um princpio normativo, técnica essa que se baseia numa leitura primária de um tratado que, no fundo, defendia os previlégios tradicionais típicos da sociedade do Antigo Regime (refiro-me ao "Esprit del Lois" do Barão de Montesquieu).

Uma das linhas de investigação a meu ver mais frutosas tem que ver com o modo como a common law, compreendida como "legislação judicial" (?!) no continente, realiza, com grande eficiência e eficácia (sim senhor: eu sei o que estes termos significam, ao contrário de outros!), o PRINCÍPIO da separação de poderes.
 
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