quarta-feira, março 29, 2006

 

Reforma do Ensino do Direito no Velho Continente

Os meus cinco anos de experiência como estudante de direito conferiram-me uma oportunidade única para observar a mediocridade do ensino do direito em Portugal, o que de resto se estende ao resto da Europa (pelo menos continental). Não é um problema de qualidade docente, embora essa também não abunde. É um problema de programa de estudos.

Estudar direito significa aprender meia dúzia de técnicas e metodologias de interpretação dos textos jurídicos, um pouco de filosofia social e jurídica e muito de reconstrução, organização e até manipulação dos conceitos empregues na lei ou, mais raramente, nas decisões dos tribunais. Este sistema pedagógico torna os juristas escravos do direito vigente, no sentido de que não sabem rigorosamente mais nada enquanto tais, e mais preocupantemente converte-os num grupo de interesse com múltiplas potencialidades de rent-seeking, normalmente vocacionado para impedir reformas legislativas e institucionais de fundo ou mesmo para complicar o direito. Quanto mais imóvel, complicado, ambíguo, obscuro e intagível for o direito, melhor estão os juristas criados pelo nosso monstruoso sistema de formação.

Nas faculdades de economia não se estuda, ou não se estuda apenas, a economia nacional. O grosso da formação é constituída pelo estudo de instrumentos teóricos que permitem compreender qualquer economia. Não há nenhuma razão para que assim não seja em direito. Por exemplo, em vez de estudarem a responsabilidade civil extracontratual no código civil, os juristas deveriam aprender os grandes quadros da responsabilidade civil em qualquer sistema jurídico, deixando para um momento posterior no curso, ou mesmo posterior ao curso, o estudo das regras vigentes, estudo esse que ficaria aliás muito facilitado. Há um mito, que começou provavelmente como política de classe e que se converteu em mito propriamente dito, segundo o qual isso não é possível em direito, porque o direito varia no tempo e no lugar. Ora, claro que varia, como a economia também: as soluções e instituições concretas variam. No entanto, em qualquer sociedade há problemas jurídicos semelhantes que podem e devem ser tratados a um nível de abstracção superior ao direito vigente. Se assim não fosse, reparem bem, não seria possível o Direito Internacional Privado!

Uma das consequências deste género de reforma é a plena internacionalização, e até certo ponto cientificização verdadeira, do estudo do direito. O que obviamente chateia uma parte substancial dos professores de direito...

 

Apresentação

Caros bloggers e observadores: a partir de hoje também escrevo "posts" neste blog a convite de Nuno Garoupa. Dispenso-me de demoradas introduções autobiográficas porque são maçadoras, irrelevantes e geralmente egocêntricas (ou massoquistas, em alguns casos deveras preocupantes), embora convide algum leitor mais curioso a consultar o meu profile como blogger. Se alguém com uma curiosidade aterradora quiser saber mais sobre mim, o que espero ser um sintoma de inesgotável curiosidade intelectual menos do que uma atracção irresistível pela fofoquice, é livre de me mandar um e-mail para gar33@hotmail.com. Quanto às modestas contribuições que se seguirão, com um frequência irregular, espero sinceramente não ofender nenhuma idiossincrasia, mas só prometo não faltar ao respeito a ninguém...

Saudações!

terça-feira, março 28, 2006

 

Avaliação prospectiva

Tenho uma grande admiração pelo professor Vital Moreira, um dos poucos juristas portugueses que sabe manter-se na actualidade do pensamento jurídico no meu ponto de vista. Infelizmente acho que o post dele sobre o "teste simplex" está muito longe da realidade. Diz ele no seu blog: "Do volumoso pacote de medidas de simplificação administrativa e legislativa hoje anunciadas pelo Primeiro-ministro o "teste simplex" -- teste de impacto financeiro e administrativo dos projectos legislativos e regulamentares -- não é das que terá efeitos mais imediatos sobre a vida das pessoas e das empresas nas suas relações com o Estado e a Administração pública. Mas é seguramente a que pode ter efeitos mais duradouros e mais fundos na racionalização da regulação pública". O problema está em que o "teste simplex" não mede o impacto dos projectos legislativos e regulamentares, mas é apenas uma medida interna de controle administrativo de duvidosa qualidade (a própria quantificação é patética). Não tem absolutamente nada que ver com as metodologias mais avançadas nesta área, e confirma-se mais uma vez a tendência portuguesa para copiar mal e nivelar por baixo.

segunda-feira, março 27, 2006

 

400 Medidas para Desburocratizar

Após ler a apresentação das medidas pelo Governo e todo o show-off montado, esperemos que sejam de facto implementadas. Fiquei contudo muito decepcionado com o Teste Simplex. É burocrático e não tem nada que ver com as boas práticas de avaliação prospectiva das medidas legislativas. Oportunidade perdida. Muito pouco rigor científico.

domingo, março 26, 2006

 

ERC solicita o pagamento de contribuições

A ERC, parceiro de governo dos socialistas na Catalunha e no governo nacional, controla seis ministérios na Generalitat. Nos últimos meses solicitou a todos os funcionário sem vínculo definitivo (desde telefonistas a secretárias, porteiros ou estagiários) bem como aos funcionários de nomeação política uma contribuição de 4% a 34% do respectivo salário para o partido (por exemplo, 30% se o salário no governo é superior ao que tinha antes de trabalhar para a administração). A ausência da solicitada contribuição até ao fim de Março implicará a demissão no caso dos cargos de nomeação política ou a não renovação do contrato de trabalho para os restantes. A carta vai assinada pelo responsável dos recursos humanos da Generalitat que é membro da ERC. A maioria dos funcionários sem vínculo definitivo foram contratados antes da ERC controlar esses seis ministérios. Extorsão pura. Mas parece que não é ilegal. Também não incomoda os socialistas e os comunistas que estão em coligação com esta gente. É a ética republicana e socialista no seu esplendor...

 

900 mil euros da FMS

O mais triste da notícia dos 900 mil euros da FMS publicada pelo Independente é a consciência dos custos de oportunidade. Porque esses 900 mil euros não foram para investigação científica de qualidade (onde estão as publicações internacionais produzidas por esse projectos?), não foram para formar recursos humanos em ciências sociais (onde estão as teses de doutoramento?), não foram para uma análise de políticas públicas em relações internacionais ou reforma do sistema político (onde estão as conclusões?), não foram para financiar um ou mais think thanks que tanta falta nos fazem. São 900 mil euros que financiam uma fundação que se limita a prosseguir uma agenda ideológica bem marcada e a promover um cidadão ilustre sem dúvida mas não mais que isso, a organizar uns debates para consumo interno, e pouco mais. Compare-se a bibliografia em inglês de história contemporânea portuguese e espanhola e veja-se a diferença. Com 900 mil euros podia fazer-se muito, e esse é o custo de oportunidade da FMS. O mais curioso é que noutros países as fundações existem para co-financiar actividades do Estado; em Portugal o Estado existe para financiar a FMS. Deve ser um caso raro de sucesso...

sexta-feira, março 24, 2006

 

Atrapados na pré-história (II)

A discussão que tenho visto sobre a reforma da responsabilidade extracontratual do Estado é simplesmente jurássica. Recomendo vivamente um catching up de 30 anos. Um bom começo é o excelente artigo do professor Lawrence Rosenthal que explica detalhamente porque semelhante instituto jurídico não tem muito sentido. Entre os vários argumentos discutidos nos últimos anos, um é muito curioso. Vários juristas relacionam a expansão da responsabilidade civil extracontratual do Estado (o fim das inúmeras imunidades da Administração) com a necessidade de procurar formas criativas para financiar os gastos públicos. Será mera coincidência que em Portugal temos esta reforma quando se procura financiar o déficit orçamental?

segunda-feira, março 20, 2006

 

Artigo Publicado no Dia D

Para além dos impropérios anónimos que recebi na sequência do artigo publicado na revista dia D do Público (onde abundam as palavras ignorante e neoliberal), existem duas críticas substantivas que vários bloggers expressaram que merecem atenção especial:

(a) O crescente economicismo no Direito: não gosto da palavra economicista porque creio que confunde dois tipos de problemas muito distintos.

(i) Muitos referem-se ao managerialism, isto é, a obsessão com a redução de custos. É a perspectiva do estudo do Conselho da Europa curiosamente elaborado por juristas e sociólogos, mas não economistas. Nesta matéria estou absolutamente de acordo com os juristas. É uma perspectiva perigosa e metodologicamente errada que pode levara decisões incorrectas. Em vez de economicismo, eu chamo a isto má análise económica.

(ii) Outros referem-se ao utilitarianism, isto é, a uma visão utilitarista do Direito. Podemos distinguir perspectivas utilitaristas exclusive (Posner, as escolas de Chicago e Harvard em geral, veja-se o recente livro de Kaplow e Shavell, Fairness vs. Welfare) que negam qualquer vocação moral inerente ao Direito e inclusive (onde eu me revejo, as escolas de Yale e Berkeley em geral) que reconhece limites lógicos a uma perspectiva normativa utilitarista do Direito. Porém em Portugal, como na Europa, incluindo o Reino Unido, o pensamento jurídico de base utilitarista desapareceu no século XX por razões ainda não muito claras (existem imensos artigos sobre o tema). Isso não aconteceu nos Estados Unidos. Podemos dizer que qualquer perspectiva utilitária choca com o pensamento jurídico português vigente. Simplesmente desde os anos 30 ou 40 que existe uma uniformidade no pensamento jurídico português contrário ao utilitarismo (isso não significa que todas as correntes do pensamento jurídico português sejam contrárias ao utilitarismo pelas mesmas razões). Qualquer análise económica é utilitarista pelo que quem é incapaz de contemplar uma perspectiva utilitarista, não pode aceitar a análise económica do Direito.

(b) A actual separação de poderes é uma garantia contra o totalitarismo; qualquer reforma que passe por uma maior intromissão da Assembleia da República no poder judicial levará a uma ditadura.

(i) O modelo anglo-saxónico em várias modalidades baseia-se nos balances and checks. Não há separação de poderes. O poder legislativo interfere com o poder judicial e vice-versa; o poder executivo interfere com o poder judicial vice-versa. Nos últimos duzentos anos, nem os Estados Unidos, nem o Reino Unido, nem os Dominions que importaram esse modelo tiveram ditaduras, totalitarismos, etc. Existiram graves crises do sistema judicial, duros confrontos entre poder político e poder judicial (Roosevelt e o governo dos juízes por exemplo), evolução, mas não ruptura.

(ii) O modelo continental criou este mito da separação do poder judicial dos poderes legislativo e executivo. Para além de essa separação não ter evitado as ditaduras, o totalitarismo, etc., este modelo está ciclicamente em ruptura. Nos últimos 50 anos funcionalizou-se o poder judicial. Por outro lado, usando o principio da separação de poderes, limitou-se a intromissão do poder judicial no poder legislativo e executivo. Ao contrário de outros países, em Portugal nem sequer temos a tradição da Assembleia da República nomear magistrados para proceder a inquéritos a políticos (onde estão os famosos independent prosecutors, independent porque especialmente nomeado para conduzir um determinado inquérito parlamentar). Quanto a mim, se quem controla o orçamento da justiça é o Governo e não o poder judicial, como se pode falar de efectiva separação de poderes?

quinta-feira, março 16, 2006

 

O Famoso Ranking do Forum de Davos e a Qualidade da Justiça em Portugal

Segundo o famoso ranking do Forum de Davos tal como foi noticiado na imprensa portuguesa, a Justiça portuguesa (nomeadamente a independências dos Tribunais) estaria muito bem avaliada em termos comparados. Portugal está em 15º lugar, à frente da Holanda (16º lugar), Suécia (17º lugar), Estados Unidos (18º lugar), França (20º lugar), Canadá (21º lugar), Bélgica (28º lugar), Espanha (36º lugar), Grécia (43º lugar) e Itália (46º lugar).

Infelizmente trata-se de um indicador compósito que agrega as respostas às seguintes perguntas:

1 Is the judiciary in your country independent from political influences of members of government, citizens or firms?

2 Are financial assets and wealth clearly delineated and well protected by law?

3 Is your government neutral among bidders when deciding among public contracts?

4 Does organized crime impose significant costs on business?

5 How commonly are bribes paid in connection with import and export permits?

6 How commonly are bribes paid when getting connected with public utilities?

7 How commonly are bribes paid in connection with annual tax payments?

O mais curioso é o facto do Reino Unido vir melhor classificado que Portugal naquilo que os jornais chamaram a independência dos tribunais. Porque se assim é (eu acho que não), então o caminho é claro: introduzir o principio da soberania absoluta do Parlamento, abolir o Tribunal Constitucional (as leis aprovadas pelo Parlamento são constitucionais por definição), e dar ao Ministro da Justiça a faculdade de nomear todos os magistrados tal como fazia o Lord Chancellor até o ano passado.

A falta de credibilidade dos indicadores do Forum de Davos relaciona-se com a metodologia muito pobre que usou quando comparado com o Banco Mundial ou o Conselho da Europa (e estes também têm erros graves como medir input sem comparar output, etc.). Se alguma coisa podemos concluír deste ranking é que os governantes e a elite entrevistada na amostragem é menos exigente em Portugal com a Justiça e mais tolerante com a corrupção activa e passiva que noutros países.

terça-feira, março 14, 2006

 

A Reforma da Justiça: opiniões

Gosto sempre de dar uma vista de olhos pelo Verbo Jurídico que é sempre uma excelente fonte de informação e comentários. Ultimamente existem vários posts sobre a reforma da Justiça em Portugal, alguns batalhando nas ideias que uma e outra vez aparecem:

(i) Apesar do Governo muito pouco ter feito neste tema, ganha popularidade a visão economicista da Justiça. Eu adoro a palavra economicista porque ninguém sabe o que quer dizer e normalmente esconde a profunda ignorância sobre a ciência económica.

Por exemplo, lê-se num determinado artigo que a economia visa o lucro, mas que economia? os consumidores? o Estado? as ONGs e organizações não lucrativas que são mais de um terço da economia norte-americana? mesmo em relação às empresas, existem a theory of the firm que já não é recente e explica os problemas da hipótese da maximização do lucro pelas empresas; enfim uma pérola que revela a mais elementar ignorância sobre economia.

Para isto, sempre prefiro a sentença da magistrada espanhola porque pelo menos é um pouco mais sofisticado, o problema está na avaliação quantitativa e nos critérios de produtividade... aqui nada de novo, é na Justiça, na Educação (depois temos o pior sistema de ensino do mundo ocidental e a falta de qualidade nas universidades que nos põem atrás da Turquia), na Saúde (onde somos o único país da OCDE sem remuneração variável e temos o sistema de saúde caro e ineficiente que conhecemos), enfim...

(ii) Existe uma corrente de pensamento muito perigosa que pretende adoptar soluções estranhas ao nosso sistema, nomeadamente de common law. Qual é a relação entre o common law e a organização e administração da Justiça gostava eu de saber. Lá que os economistas do Banco Mundial acreditem nisso, é pura ignorância. Agora os magistrados e professores de Direito...

Recentes reformas no Japão, na Coreia, na Holanda num sentido e no ReinoUnido no outro demonstram que não há impedimentos de maior. Os problemas são os mesmos, as soluções podem ser as mesmas. Nesse sentido recomendo o papel activo do Cour de Cassation, mais civil law não pode haver, no debate das tais soluções economicistas e importadas. Se ao menos o nosso STJ tivesse o papel activo que tem o CC na discussão de soluções...

(iii) Existe ainda gente mais perigosa que propõe a extinção do actual CSM e a reforma do governo da Justiça adoptando soluções que abrem caminho ao totalitarismo em versão Mussolini.

Acontece que essas soluções são utilizadas nos países da União Europeia, EUA, Canadá, Japão, etc. sem qualquer caminho ao totalitarismo. O CSM português é uma excepção, e não a regra.

Pura demagogia portanto. A não ser que os portugueses, sem saber e sem reconhecer semelhante mérito, tenham um sistema de Justiça que lhes garante os seus direitos de forma mais efectiva que todos os outros países. E os magistrados judiciais, sem saber, gozam em Portugal de um prestígio e respeito muito superior ao dos outros países democráticos.

Faz-me lembrar aquele dislate que ouvi a um reputado jurista, "A Justiça não se pode comparar, mas a nossa é uma das melhores do mundo." A Justiça pode-se comparar e infelizmente a nossa não é uma das melhores do mundo... Segundo o Conselho da Europa e o Banco Mundial é mesmo uma das piores do mundo ocidental.

sábado, março 11, 2006

 

De como os magistrados judiciais decidem em proveito próprio...

O pacto para a reforma da justiça em Espanha entre o PP e o PSOE conseguiu em 2003 aquilo que em Portugal ainda é uma miragem; a transformação do CGPJ num verdadeiro órgão de governança do sistema judicial e a introdução de avaliação dos magistrados com impacto na remuneração dos mesmos (a remuneração variável). A implementação dessas reformas foi feita pelo CGPJ (em que os magistrados não têm a maioria como acontece no nosso desastroso CSM). A avaliação dos magistrados faz-se por módulos que estabelecem certos objectivos quantitativos que para além de serem utilizados para efeitos de promoção, comissões de serviço, etc., são também utilizados para calcular um prémio salarial (acima dos 120% do objectivo do módulo) ou uma penalização salarial (abaixo dos 80% do objectivo do módulo).

Os juizes como seria de esperar não gostaram desta brincadeira. Salários diferenciados, prémios de produtividade, indicadores de avaliação, etc. Porém, como é uma reforma pactada entre o PP e o PSOE e implementada pelo CGPJ, ficaram sem grande margem de manobra. Mas em vez de fazerem greves e barulho como em Portugal pois só contribuí à sua má imagem de corporação zelando pelos seus interesses mesquinhos, os sindicatos (curiosamente o do PP e o independente, mas não o do PSOE) trataram do tema pela calada. Em Fevereiro de 2004 interpõem recurso ao Tribunal Supremo, na sala terceira (contencioso administrativo), considerando que o regulamento do CGPJ carecia de cobertura legal, pedindo a sua anulação. Repara-se que não põem em causa a lei porque para isso o Tribunal Supremo não tem competência, mas sim o respectivo regulamento administrativo. E quem decide sobre isto? A mesma corporação profissional a quem se aplica o regulamento.

Este mês o Tribunal Supremo decidiu com uma sentença muito interessante. Fica anulado o sistema de remuneração variável (que apenas 40% dos magistrados cobraram em 2005) e a avaliação dos magistrados. E porquê? Diz a relatora, a magistrada Margarita Robles, que não pode a magistratura ser avaliada “desde uma perspectiva productivista” e “con un criterio cuantitativo” que não respeita as exigências da magistratura; os módulos não podem ser utilizados porque promovem uma “valoración individualizada de la actividad jurisdiccional”, isto é, não tem conta “la dedicación precisa para cada caso concreto” que não se pode quantificar porque “lo hubiera resultado indispensable en valorar el rendimiento individualizado en el cumplimiento de la función jurisdiccional.”

Os magistrados decidem em proveito próprio que não podem ser avaliados bem como qualquer critério quantitativo ou de produtividade é incompatível com a sua dignidade profissional. Presumo que muitas profissões defendem o mesmo (a começar pelo minha, os professores universitários). Mas note-se que os magistrados são os únicos que têm o poder de impor a sua própria vontade corporativa por cima da legitimidade democrática; não se trata de uma negociação entre os sindicatos dos magistrados e o Governo, mas a utilização do poder judicial para proteger os interesses de uma determinada profissão.

Evidentemente que a resposta do Governo só pode ser uma. Como diz o director-general de Justicia hoje na imprensa espanhola, terá de incorporar-se o espirito quantitativo e “productivista” do regulamento administrativo na lei para que o Tribunal Supremo não tenha competência para decidir em proveito dos seus próprios membros.

quinta-feira, março 09, 2006

 

Reforma do Ministério Público

O já famoso affaire d’Outreau levou o Ministro da Justiça francesa, Pascal Clément, a prometer uma reforma penal profunda que introduza elementos de adversarialização no processo penal francês. Na verdade, alguns desses elementos (como o plaider culpable) já entraram no direito penal francês em 2002. Diz o juiz Burgelin ao Economist, The Napoleonic system has had its days. Não em Portugal, onde uma reforma penal em curso, a enésima pelos mesmos senhores, entre o blá-blá-blá da treta (desta vez chama-se lei-quadro da política criminal) e uma tentativa de criar um sistema especial para os políticos, o tema da adversarialização francesa para ser mais chinês que outra coisa.

A adversarialização simplesmente significa que temos de separar o papel de procura da verdade dos factos, atribuído aos magistrados judiciais, do papel de apresentar o maior número de provas que possam demonstrar a culpabilidade do acusado, esse sim dos magistrados do Ministério Público. Por tanto, o procurador é o advogado de acusação no processo penal, não mais nem menos do que isso. O seu objectivo é demonstrar a culpabilidade do acusado (obviamente no cumprimento das regras estabelecidas pelo processo penal que para isso existe), e não ajudar na procura da verdade dos factos. O objectivo do advogado de defesa é demonstrar que existe uma dúvida razoável. Ao juiz compete fazer o balanço do trabalho das duas partes, e consequentemente procurar a verdade dos factos.

Neste contexto, tal como em França, necessitamos uma reforma muito profunda do Ministério Público:

(1) Separação de raiz das magistraturas;

(2) Desfuncionalização do Ministério Público;

(3) Aumento da capacidade de gestão estratégica dos processos pelo Ministério Público (empowerment): acabar com mandatory prosecution, introduzir plea-bargaining (prefiro o modelo continental ao modelo americano), completa amplitude nas prioridades e na gestão dos recursos humanos e financeiros, orçamento independente do Ministério da Justiça e apresentado e votado na Assembleia da República, capacidade de nomear consultores e assessores externos (incluindo aconselhamente jurídico) para determinados processos.

(4) Aumento da accountability do Ministério Público como consequência do empowerment: introdução de indicadores objectivos de qualidade; remuneração complementar por indicadores de qualidade; eliminação das promoções por antiguidade (todas as promoções passam a estar sujeitas a uma avaliação dos indicadores de performance por um Conselho Superior de Justiça logo que os actuais conselhos superiores sejam extintos); apresentação de uma relatório actual de actividades à Assembleia da República que a não aprovação levaria à demissão do PGR; nomeação do PGR e outros altos cargos do Ministério Público pela Assembleia da República após uma audição parlamentar com exame oral (aliás método a adoptar para todos os altos cargos da Justiça, incluindo os juizes do STJ e TC).

Talvez em 2020, quando fizermos a 36a reforma penal, depois dos senhores especialistas de direito penal terem visto que afinal em França e na Alemanha esse foi o caminho seguido (porque valha-nos Deus olhar para além da França e da Alemanha, e mesmo assim...), se possa começar a pensar no assunto.

terça-feira, março 07, 2006

 

Aumento das taxas moderadoras na saúde

Acabo de ver no Público a reacção do PSD e do CDS ao aumento das taxas moderadoras na saúde. Espero sinceramente que estes partidos não voltem ao Governo nos próximos anos. Prefiro um governo de centro do PS, com muitos problemas e defeitos mas com o rumo certo, que a demagogia esquerdista no seu pior do PSD e do CDS. Está na moda dizer que o que correu mal nos três anos PSD-CDS foi a falta de preparação do Durão Barroso para ser primeiro-ministro. Está cada vez mais claro que o que correu mal foi a direita portuguesa ser este PSD e este CDS que temos.

 

Como é diferente a elite em Portugal (II)

Em Espanha, o banco central financia um think thank de política microeconómica e investigação aplicada (FEDEA) e uma escola de pós-graduação em Macroeconomia e Finanças que está no top 40 europeu de investigação, onde não há instituições portugueses, nem mesmo a Nova ou a Católica (CEMFI). Em Portugal, o banco central financia generosas pensões aos seus (ex) administradores e maravilhosos salários que são supostamente justificados para atrair os melhores (segundo ranking do primeiro ministro de turno). Como é diferente a elite em Portugal...

 

Como é diferente a elite em Portugal (I)

Existe um consórcio de think thanks de política económica em toda a Europa, chama-se European Network of Economic Policy Research Institutes. Curiosamente Portugal não tem um único instituto desse tipo. Não precisamos de qualidade na política económica. Já temos os gurus do "Prós e Contra" e do Expresso da Meia-Noite. Como é diferente a elite em Portugal...

Link: http://www.enepri.org/

segunda-feira, março 06, 2006

 

Atrapados na pré-história

As últimas intervenções de vários comentadores e decisores de política sobre a Justiça deixa-me esta dúvida: porque mesmo no plano do debate das ideias, vivemos atrapados na pré-história... como se a ciência jurídica em Portugal tivesse ficada paralisada nos anos 60.

Somos francamento maus em investigação e desenvolvimento, mas pelo menos não estamos nos anos 60 nas engenharias, na matemática, nas ciências da vida, na economia e na gestão... mas nas ciências juridicas assim é... digamos que o direito europeu em vez do direito ultramarino; o direito constitucional é uma espécie de direito corporativo em ponto grande; mas tudo o resto sigue igual...

 

PR propõe alteração do cúmulo jurídico das penas

Numa intervenção mais do (ex) PR sobre a Justiça, daquelas muitas que se podem classificar de bla-bla-bla sem consequências (como quase tudo o que fez no seu mandato dado o estado em que se encontra Portugal), defende alterações ao cúmulo jurídico das penas em sede de processo da reforma penal, porque três pequenos delitos dão oito anos de prisão... às vezes. Faz-me lembrar os conhecidos economistas que falam de políticas económicas keynesianas... vivem todos nos anos 70... a nossa elite tem um desfazamento de 30 anos... pobre país... mas estou certo que o (ex) PR nem vai fazer uma sabática para fazer o catch up de 30 anos... irá mesmo dar aulas numa faculdade de direito...

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