sábado, março 11, 2006
De como os magistrados judiciais decidem em proveito próprio...
O pacto para a reforma da justiça em Espanha entre o PP e o PSOE conseguiu em 2003 aquilo que em Portugal ainda é uma miragem; a transformação do CGPJ num verdadeiro órgão de governança do sistema judicial e a introdução de avaliação dos magistrados com impacto na remuneração dos mesmos (a remuneração variável). A implementação dessas reformas foi feita pelo CGPJ (em que os magistrados não têm a maioria como acontece no nosso desastroso CSM). A avaliação dos magistrados faz-se por módulos que estabelecem certos objectivos quantitativos que para além de serem utilizados para efeitos de promoção, comissões de serviço, etc., são também utilizados para calcular um prémio salarial (acima dos 120% do objectivo do módulo) ou uma penalização salarial (abaixo dos 80% do objectivo do módulo).
Os juizes como seria de esperar não gostaram desta brincadeira. Salários diferenciados, prémios de produtividade, indicadores de avaliação, etc. Porém, como é uma reforma pactada entre o PP e o PSOE e implementada pelo CGPJ, ficaram sem grande margem de manobra. Mas em vez de fazerem greves e barulho como em Portugal pois só contribuí à sua má imagem de corporação zelando pelos seus interesses mesquinhos, os sindicatos (curiosamente o do PP e o independente, mas não o do PSOE) trataram do tema pela calada. Em Fevereiro de 2004 interpõem recurso ao Tribunal Supremo, na sala terceira (contencioso administrativo), considerando que o regulamento do CGPJ carecia de cobertura legal, pedindo a sua anulação. Repara-se que não põem em causa a lei porque para isso o Tribunal Supremo não tem competência, mas sim o respectivo regulamento administrativo. E quem decide sobre isto? A mesma corporação profissional a quem se aplica o regulamento.
Este mês o Tribunal Supremo decidiu com uma sentença muito interessante. Fica anulado o sistema de remuneração variável (que apenas 40% dos magistrados cobraram em 2005) e a avaliação dos magistrados. E porquê? Diz a relatora, a magistrada Margarita Robles, que não pode a magistratura ser avaliada “desde uma perspectiva productivista” e “con un criterio cuantitativo” que não respeita as exigências da magistratura; os módulos não podem ser utilizados porque promovem uma “valoración individualizada de la actividad jurisdiccional”, isto é, não tem conta “la dedicación precisa para cada caso concreto” que não se pode quantificar porque “lo hubiera resultado indispensable en valorar el rendimiento individualizado en el cumplimiento de la función jurisdiccional.”
Os magistrados decidem em proveito próprio que não podem ser avaliados bem como qualquer critério quantitativo ou de produtividade é incompatível com a sua dignidade profissional. Presumo que muitas profissões defendem o mesmo (a começar pelo minha, os professores universitários). Mas note-se que os magistrados são os únicos que têm o poder de impor a sua própria vontade corporativa por cima da legitimidade democrática; não se trata de uma negociação entre os sindicatos dos magistrados e o Governo, mas a utilização do poder judicial para proteger os interesses de uma determinada profissão.
Evidentemente que a resposta do Governo só pode ser uma. Como diz o director-general de Justicia hoje na imprensa espanhola, terá de incorporar-se o espirito quantitativo e “productivista” do regulamento administrativo na lei para que o Tribunal Supremo não tenha competência para decidir em proveito dos seus próprios membros.
Os juizes como seria de esperar não gostaram desta brincadeira. Salários diferenciados, prémios de produtividade, indicadores de avaliação, etc. Porém, como é uma reforma pactada entre o PP e o PSOE e implementada pelo CGPJ, ficaram sem grande margem de manobra. Mas em vez de fazerem greves e barulho como em Portugal pois só contribuí à sua má imagem de corporação zelando pelos seus interesses mesquinhos, os sindicatos (curiosamente o do PP e o independente, mas não o do PSOE) trataram do tema pela calada. Em Fevereiro de 2004 interpõem recurso ao Tribunal Supremo, na sala terceira (contencioso administrativo), considerando que o regulamento do CGPJ carecia de cobertura legal, pedindo a sua anulação. Repara-se que não põem em causa a lei porque para isso o Tribunal Supremo não tem competência, mas sim o respectivo regulamento administrativo. E quem decide sobre isto? A mesma corporação profissional a quem se aplica o regulamento.
Este mês o Tribunal Supremo decidiu com uma sentença muito interessante. Fica anulado o sistema de remuneração variável (que apenas 40% dos magistrados cobraram em 2005) e a avaliação dos magistrados. E porquê? Diz a relatora, a magistrada Margarita Robles, que não pode a magistratura ser avaliada “desde uma perspectiva productivista” e “con un criterio cuantitativo” que não respeita as exigências da magistratura; os módulos não podem ser utilizados porque promovem uma “valoración individualizada de la actividad jurisdiccional”, isto é, não tem conta “la dedicación precisa para cada caso concreto” que não se pode quantificar porque “lo hubiera resultado indispensable en valorar el rendimiento individualizado en el cumplimiento de la función jurisdiccional.”
Os magistrados decidem em proveito próprio que não podem ser avaliados bem como qualquer critério quantitativo ou de produtividade é incompatível com a sua dignidade profissional. Presumo que muitas profissões defendem o mesmo (a começar pelo minha, os professores universitários). Mas note-se que os magistrados são os únicos que têm o poder de impor a sua própria vontade corporativa por cima da legitimidade democrática; não se trata de uma negociação entre os sindicatos dos magistrados e o Governo, mas a utilização do poder judicial para proteger os interesses de uma determinada profissão.
Evidentemente que a resposta do Governo só pode ser uma. Como diz o director-general de Justicia hoje na imprensa espanhola, terá de incorporar-se o espirito quantitativo e “productivista” do regulamento administrativo na lei para que o Tribunal Supremo não tenha competência para decidir em proveito dos seus próprios membros.
Comments:
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Ao articulista não ocorre que o regulamento seja ilegal e que por isso a ilegalidade tenha sido declarada. Nem ainda que as decisões judiciais, ao contrários das decisões políticas e artigos de opinião, têm de ser obrigatoriamente fundamentadas, sendo essa fundamentação o raciocínio lógico que se faz na aplicação de uma norma a um caso concreto.
Toda a gente tem direito a ter opiniões sobre tudo, mas nem toda a gente sabe falar de tudo. Eu, por exemplo, tendo as minhas opiniões sobre as opções políticas relativas à co-incineração, não me atrevo a discutir publicamente as questões técnicas relativas a tal opção. Mas isto sou eu.
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Toda a gente tem direito a ter opiniões sobre tudo, mas nem toda a gente sabe falar de tudo. Eu, por exemplo, tendo as minhas opiniões sobre as opções políticas relativas à co-incineração, não me atrevo a discutir publicamente as questões técnicas relativas a tal opção. Mas isto sou eu.
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