quinta-feira, março 09, 2006

 

Reforma do Ministério Público

O já famoso affaire d’Outreau levou o Ministro da Justiça francesa, Pascal Clément, a prometer uma reforma penal profunda que introduza elementos de adversarialização no processo penal francês. Na verdade, alguns desses elementos (como o plaider culpable) já entraram no direito penal francês em 2002. Diz o juiz Burgelin ao Economist, The Napoleonic system has had its days. Não em Portugal, onde uma reforma penal em curso, a enésima pelos mesmos senhores, entre o blá-blá-blá da treta (desta vez chama-se lei-quadro da política criminal) e uma tentativa de criar um sistema especial para os políticos, o tema da adversarialização francesa para ser mais chinês que outra coisa.

A adversarialização simplesmente significa que temos de separar o papel de procura da verdade dos factos, atribuído aos magistrados judiciais, do papel de apresentar o maior número de provas que possam demonstrar a culpabilidade do acusado, esse sim dos magistrados do Ministério Público. Por tanto, o procurador é o advogado de acusação no processo penal, não mais nem menos do que isso. O seu objectivo é demonstrar a culpabilidade do acusado (obviamente no cumprimento das regras estabelecidas pelo processo penal que para isso existe), e não ajudar na procura da verdade dos factos. O objectivo do advogado de defesa é demonstrar que existe uma dúvida razoável. Ao juiz compete fazer o balanço do trabalho das duas partes, e consequentemente procurar a verdade dos factos.

Neste contexto, tal como em França, necessitamos uma reforma muito profunda do Ministério Público:

(1) Separação de raiz das magistraturas;

(2) Desfuncionalização do Ministério Público;

(3) Aumento da capacidade de gestão estratégica dos processos pelo Ministério Público (empowerment): acabar com mandatory prosecution, introduzir plea-bargaining (prefiro o modelo continental ao modelo americano), completa amplitude nas prioridades e na gestão dos recursos humanos e financeiros, orçamento independente do Ministério da Justiça e apresentado e votado na Assembleia da República, capacidade de nomear consultores e assessores externos (incluindo aconselhamente jurídico) para determinados processos.

(4) Aumento da accountability do Ministério Público como consequência do empowerment: introdução de indicadores objectivos de qualidade; remuneração complementar por indicadores de qualidade; eliminação das promoções por antiguidade (todas as promoções passam a estar sujeitas a uma avaliação dos indicadores de performance por um Conselho Superior de Justiça logo que os actuais conselhos superiores sejam extintos); apresentação de uma relatório actual de actividades à Assembleia da República que a não aprovação levaria à demissão do PGR; nomeação do PGR e outros altos cargos do Ministério Público pela Assembleia da República após uma audição parlamentar com exame oral (aliás método a adoptar para todos os altos cargos da Justiça, incluindo os juizes do STJ e TC).

Talvez em 2020, quando fizermos a 36a reforma penal, depois dos senhores especialistas de direito penal terem visto que afinal em França e na Alemanha esse foi o caminho seguido (porque valha-nos Deus olhar para além da França e da Alemanha, e mesmo assim...), se possa começar a pensar no assunto.

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