sábado, maio 27, 2006

 

As dúvidas de Fernanda Câncio no DN

O senhor em causa no artigo de FC no DN de hoje é Richard Posner. E diz o óbvio (pelo menos para mim mas pelos vistos não para a autora): entre torturar uma pessoa para salvar cinco mil e não torturar uma pessoa condenando à morte cinco mil, a escolha não oferece dúvidas (pelos vistos para a autora sim). Agora quando complicamos a decisão (porque infelizmente o mundo é mais complexo) e começamos a pensar que é possível salvar cinco mil sem torturar a uma pessoa ou que torturando a uma pessoa pode não salvar cinco mil, recomendo a leitura atenta do seu trabalho e evitar a demagogia fácil de quem manipula as citações para conferir uma autoridade intelectual.

Comments:
O artigo de Câncio é um chocante exemplo de cabutinismo: nunca leu uma linha de Posner. Não sou um fã das ideias de Posner, mas sejemos claros: trata-se de um intelectual e jurista de primeira ordem - um portento que Fernanda Câncio jamais poderá compreender, quanto mais emular. Algum Kant, Aristóteles e Stuart Mill também poderiam ajudar. Porque é que esta gente escreve nos jornais? Falta de paciência!

Apesar disso, discordo de Garoupa. Como utilitarista (talvez "act-utilitarian", mais do que "rule-utilitarian"), Garoupa defende que um mal menor é justificável para previnir um mal maior. É coerente. Como "libertarian", eu recuso em absoluto a possibilidade do poder político instrumentalizar um ser-humano, mesmo que para salvar um ror deles. Cada indivíduo é uma existência separada com dignidade moral própria. E sobre a obrigação moral de uma pessoa se sacrificar por 5000, tenho dúvidas, mas posso pelo menos hierarquizar os termos intelectuais do problema: a primeira obrigação moral violada é a do terrorista, que naturalmente não pode matar legitimamente.

Acho que o herói que dá a vida ou integridade física pelo próximo é um ente superrogatório, uma pessoa que atinge níveis muito elevados de realização moral. Ora, poucos somos os heróis ou santos.
 
Aqui claramente estamos em divergência. Sendo utilitarista, tenho mta dificuldade em aceitar que em algum momento do espaço e do tempo não podemos fazer um ranking das opções (por filosofia como diz o Gonçalo, e não por informação assimétrica como escreva a FC sem saber que é disso que fala) e logo não podemos escolher (note-se que os acontecimentos são mutuamente exclusivos). Porque isso significa que a Natureza escolherá (precisamente porque os acontecimentos são mutuamente exclusivos). Que a Natureza possa fazer escolhas melhores que o Estado (poder político, etc.) não dúvido, mas isso para mim tem raíz na filosofia subjacente ao ranking que faz o Estado (que seguramente não é utilitarista).
 
Há uma diferença insuperável entre o utilitarismo e o liberalismo ético (ou "libertarianismo"): o utilitarismo é a única teoria moral puramente consequencialista e o liberalismo ético é fortemente deontologista. De um ponto de vista deontologista, não há "rankigs" políticos porque a unica política legítima é a protecção da propriedade privada. "O estado" - mas isto é um debate interminável - é uma forma de coacção de uns sobre outros, o que só pode acontecer quando o que está em causa é a defesa da autonomia individual (ou liberdade negativa).

No entanto, parece-me óbvio e indiscutível que a posição de Nuno Garoupa é conforme ao princípio da utilidade máxima. E o utilitarismo é a grande inspiração filosófica da economia normativa neoclássica.
 
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