quinta-feira, junho 01, 2006

 

Ainda a Prova Proibida: Contraditório

O volume de reacções ao meu texto foi tão excepcional que julgo interessante reproduzir o meu último contra-comentário. Fico muito contente por estarmos a debater este tema tão sério!

Meus caros comentadores, discordo do que dizem e, sem me permitem, ainda bem! Chega de consensos podres nas grandes questões. Vamos ao que interessa:

Quanto a "JTR": o que eu digo é que o regime das nulidades não protege justamente os direitos fundamentais, porque não cria incentivos apropriados. Por outro lado, não faz sentido prejudicar a verdade material se as informações contidas em prova proibida forem valiosas. Eu defendo incentivos contra a violação da lei - no limite a responsabilidade criminal dos agentes policiais e/ou magistrados do MP -,ao mesmo tempo que rejeito o desperdício da verdade material!

Quanto a "anonymus": discordo inteiramente do que diz. O inquérito é uma fase marcada pelo unilateralismo e o secretismo, em que a produção de prova não está sujeita ao contraditório. A utilização de prova produzida no inquérito - ou mesmo instrução - na audiência de julgamento, contraria a estrutura acusatória do processo penal português. Num processo penal acusatório a inquérito e o julgamento estão iteiramente divorciados: eu até acho que a nossa lei é muito benevolente com transacções entre investigação e julgamento. Se quisermos evitar palhaçadas inquisitoriais, temos de acabar de vez com a concepção do inquérito como uma "fase preliminar" do processo. Eu defendo que deveria haver um processo de investigação e instrução e um de julgamento e que o princípio do acusatório deveria ser levado até às últimas consequências.

Quanto a "Moreira das Neves": apesar de já ter lido o livro do Canotilho todo - e olhe que não devem ter sido muitos os que o fizeram... - no meu primeiro ano de curso, tenho dificuldade em penetrar em algumas reflexões criptografadas. A que cita é uma delas: para além de algumas considerações pouco elevadas - em termos de nível de argumentação - sobre o conceito de direito, a citação final da famosa frase de R. von Jhering (e não Jiering... gralha?) é deslocada! Em todo o caso partilho da sua preocupação com a liberdade (tem lido os meus posts? Sou muito-muito-muito liberal!) e não vejo onde é que o que proponho contenda com essa preocupação.

Muito Obrigado pelos vossos comentários!

Comments:
“ A tendência a ampliar estruturalmente as nulidades, esquecendo-se do horizonte da verdade objectiva, comporta um desvio estrutural de todo o processo. Neste caso, a instrução perde a sua incisividade, dado que o êxito é predeterminado. A própria investigação da verdade, à qual o juiz é gravemente obrigado ex officio e para cujo alcance se serve do defensor do vínculo e do advogado, resolver-se-ia numa sucessão de formalismos desprovidos de vida. Uma vez que no lugar da capacidade de investigação e de crítica prevalecesse a construção de respostas predeterminadas, a sentença perderia ou atenuaria gravemente a sua tensão constitutiva para a verdade. Conceitos-chave, como os de certeza moral e de livre consideração das provas, permaneceriam desprovidos do seu necessário ponto de referência na verdade objectiva, que se renuncia a buscar ou então é considerada fora do alcance.” – João Paulo II na sua penúltima alocução ao Tribunal da Rota Romana, em 29 de Janeiro de 2004.
Parabéns pelo tema (é também um dos meus preferidos no processo penal) e parabéns também por pensar contra a maré!
 
Bela citação! Muito obrigado.

A minha intuição - repare que é só intuição - é que a irracionalidade do regime das invalidades processuais afecta muito o desempenho dos juízes. Os juizes deveriam utilizar este género de argumentos com mais frequência: identificar os obstáculos à produtividade judicial no próprio sistema de regras. Na minha opinião, por exemplo, economizar prova permitindo transacções entre inquérito e julgamento é inaceitável, mesmo que isso implique o alargamento e mesmo duplicação de momentos processuais. Mas invalidar provas quando a invalidade prejudica a verdade material e já não ajuda a proteger os direitos de ninguém é muito pouco inteligente.
 
Parece-me que a Gestapo acolheria com agrado esta tese...
 
Parece-me que a Gestapo acolheria com agrado esta tese...
 
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