sábado, junho 24, 2006

 

Escolhas Trágicas

É a tradução literal do título de um livro de dois monstros jurídicos americanos: Guido Calabresi e Philip Bobbitt. O problema subjacente a todo o livro - um problema que está latente na obra de Calabresi desde o clássico da L&E "The Costs of Accidents" - é o de que a protecção de coisas valiosas faz-se à custa de outras coisas valiosas. Não há volta a dar: num mundo de recursos escassos, os sacrifícios são uma coisa banal. Escusado será dizer que é também esta a base da economia: a ciência dessa degraça humana que é a escassez...

Ora bem, a legitimidade e o processo de construção de um Estado são temas complexos que merecem considerações profundas, mas uma coisa é certa: o Estado só serve para alguma coisa se permitir aliviar o fardo das "escolhas trágicas". É trágico termos de escolher entre bananas e maçãs? Talvez não a esta hora e para mim, em que estou sentado a ver o Argentina-México do Mundial de Futebol. Mas há muitas pessoas por esse mundo fora para quem uma banana e uma maçã vêm mesmo a calhar. Só poder haver uma coisa ou outra é uma tragédia. Um outro exemplo pode ter mais ressonância, partindo do princípio de que quem lê os meus posts não está terrivelmente desesperado por uma banana: cada vez que anda na rua corre o risco, mesmo que todos os automibilistas cumpram as regras de trânsito, de ser atropelado. É trágico: ou não anda na rua ou corre o risco de ficar sem uma perna, um braço ou a mesmo a vida.

A que propósito vêm estas considerações? A insistência dos políticos portugueses em ignorar os custos de oportunidade dos elefantes brancos, em vez de invisterem em reformas que, no longo prazo, tornam a vida menos trágica. Casos típicos: alterna-se entre degradar o ambiente sem qualquer avaliação de custos e proteger pinturas rupestres que só interessam a meia dúzia de arquólogos desempregados; alterna-se entre deixar o país a arder e embarcar em compras megalómanas de equipamento para combater os fogos; alterna-se entre deixar andar a crise da segurança social e introduzir medidas vagas que acabam por pesar nos bolsos dos contribuintes; alterna-se entre conferir carta branca a práticas de rent seeking e incriminar tudo e mais alguma coisa.

Assim não pode ser. Há duas razões para a ineficácia e ineficiência dramática do Estado, incapaz de aliviar o fardo da tragédia social: falta de critérios de escolha pública e falta de informação relevante. Sem conhecimento, nestas duas vertentes, vamos continuar a ver o barco a afundar-se. Parafraseando a sinistra frase de Marx no primeiro parágrafo de "O 18 do Brumário de Luís Bonaparte": as proclamadas "reformas" aparecem duas vezes na história, primeiro como tragédia, e depois como farsa. Infelizmente, esta farsa deixou definitivamente de ser divertida e aprofunda a tragédia que é sermos pobres. Cada vez mais pobres...

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