sexta-feira, junho 16, 2006

 

Veto do PR à "Lei da Paridade"

Nuno Garoupa remeteu outro dia para um post de Ana Gomes no blog "Causa Nossa". Para variar, encontrei uma causa individual: um chorrilho de disparates da autoria de Ana Gomes. Não há paciência para esta senhora! O tema era o veto presidencial à lei da paridade. Para Gomes, "não há democracia sem paridade", uma afirmação tão estapafúrdia que aguardo impacientemente por esclarecimentos à altura.

Irrito-me geralmente com legalês e dogmatismo, mas permitam-me que chame a atenção para um ponto de ordem: segundo Gomes, um veto presidencial com fundamentos "subjectivos, ideológicos" (terminologia dela) ofende a democracia constitucional. É com pesar que tenho de corrigir esta cabutinice de Gomes - pesar por me aperceber que ao fim de tantos anos a incomodar as pessoas com intervenções disparatadas, Gomes esqueceu-se das noções mais básicas requeridas para passar com nota mínima um exame de direito constitucional de primeiro ano. Que pobreza franciscana! Vou abster-me de citar preceitos, por que suponho que qualquer jurista domina a matéria que vou sumariar: o PR pode vetar uma lei da Assembleia da República com fundamentos políticos ou jurídicos. O "veto político" baseia-se em razões "subjectivas, ideológicas" e tem pleno cabimento - goste-se ou não - num sistema de governo semi-presidencialista ou parlamentarista moderado. O "veto jurídico", como é evidente, surge na sequência de fiscalização preventiva da inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional. Como o nosso semi-presidencialismo é muito contido, o veto político pode ser superado se, devolvido o projecto à AR, for aprovado por uma maioria particularmente reforçada. O "veto político" funciona como um mecanismo para "colocar em cheque" a determinação política do parlamento. Como uma democracia não é uma tirania da maioria do momento presente, o PR surge como centro de deliberação política contrapontual. Como disse, no entanto, a última palavra no nosso sistema cabe sempre à AR.

Ultrapassado este episódio macabro, que é a incontinência opinativa de Gomes, resta o juízo sobre o mérito da decisão presidencial. A lei da paridade inspira-se, embora com muitos ingredientes tipicamente "continentais", na doutrina americana da "acção afirmativa", cujo objectivo é proteger as minorias discriminadas por poderes informais e até ocultos. O escopo do projecto era contudo mais focado: tratava-se de "parificar" o acesso aos cargos políticos e apenas no que respeita ao género (porquê esta restrição?! O art. 12º/2 da Constituição fala em raça, por ex.). O fundamento é obviamente a igualdade de oportunidades. Como liberal, não reconheço dignidade política à compensação de desiguladades no acesso a vantagens sociais ou políticas: se ninguém pode ser "responsabilizado", é intolerável onerar os indivíduos integrados nas "maiorias" ou grupos sociais favorecidos com regras de bloqueio. Levado às últimas consequências, o princípio legitima a redistribuição forçada, através de uma medida comum de valores, do prémio do Euromilhões ou dos talentos naturais de Ronaldinho Gaúcho. Num certo sentido, iluminado por uma parte importante da teoria política contemporânea de esquerda, todos estes factos são "moralmente arbitrários" - são casualidades. Eu concordo, mas nego que isto fundamente o emprego da coerção. No caso específico da "lei da paridade", começou-se pelo mais delicado: as listas eleitorais. Se há domínio em que a iguladade de oportunidades é mais perigosa, é nesse mesmo, por atacar claramente a liberdade de oferta política ao eleitorado e minar a concorrência puramente baseada no mérito e na competência. Em todo o caso, aconselho Ana Gomes a estudar um pouco mais ...e pode começar pela tal cadeira de primeiro ano!

Comments:
Meus caros, onde se lê "cabutinice" deve ler-se "cabotinice". Obrigado Raquel Prata. Foi uma gralha de teclado, não um erro...
 
g/m=[...[
 
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