quinta-feira, julho 27, 2006

 

Os Comentários à Pensão do Manuel Alegre

O caso da pensão do Manuel Alegre na RDP parece-me totalmente desinteressante e irrelevante. Mas a reacção de muitos comentadores socialistas é curiosa. Não porque defendem hoje o que atacaram ontem e vice-versa para os comentadores da oposição. Não esquecendo aqueles que defendem sempre os visados pela simples razão de não se questionar o establishment (questionar é populismo, defender é seriedade). O que é curioso em Portugal são os argumentos formais absolutamente rendidos à dogmática jurídica que se ouve constantemente.

Primeiro, o argumento tautológico: se nenhuma ilegalidade foi cometida, o visado comportou-se de acordo com a lei, logo fez muito bem, Porque a lei, seja ela qual for, é necessariamente correcta pelo simples facto de ser lei. A legislação dá corpo ao bem comum, logo se um comportamento está dentro da lei deve ser para o bem comum. Legislação em vigor num determinado momento do tempo e bem comum é exactamente a mesma coisa.

O segundo argumento é que a legislação, seja ela qual for, foi elaborada e aprovada por um ente abstracto nunca cabendo responsabilidade dela a ninguém. Ou seja, existe uma mão invisível perfeita mas irresponsável que elabora as leis. Não existem nem conflitos de interesse nem a esmagadora maioria dos visados nos escândalos das pensões fazem parte dos grupos de pressão que elaboraram e ou aprovaram estas leis em proveito próprio.

Precisamente o problema da acumulação de pensões e outros privilégios da alta administração pública, dos cargos políticos, etc. derivam de 30 anos de conflitos de interesse e captura do bem público por determinados sectores. Apenas se torna agora mais visível porque passados 30 anos é o tempo dessa gente reformar-se e rentabilizar as rendas que andaram a gerar. Seja no Banco de Portugal, seja na RDP, seja na Gulbenkian, seja na CGD, seja onde for que a nossa primorosa elite conseguiu acumular cargos bem remunerados e na esmagadora maioria dos casos de baixa produtividade (ou são só os outros que têm baixa produtividade?).

Comments:
Primeira lição do positivismo jurídico: "ilegal" não é igual a "imoral". Um comporamento conforme à lei pode ser abjecto. As leis que ordenavam a conduta dos SS nos campos de concentração Nazis mereciam obediência? Não parece... mas dura lex, sed lex (ou seja: ou cumpres ou sofres os custos de não cumprir).

Uma das coisas que mais adoro na análise económica do direito é que no fundo olha para o direito como uma estrutura de alocação de recursos que implica custos para os destinatários das leis. Oiço o juíz a falar da "sacralidade da lei" e depois só me lembro da teoria do incumprimento óptimo! Uma delícia...
 
As SS e a Gestapo sempre agiram no mais estrito cumprimento da lei. E até hoje o Estado alemão não puniu o legislador, bem pelo contrário continua a falar-se no abstracto (Nuremberga foi imposto por Estados estrangeiros). Parte da história do pensamento jurídico alemão moderno (do qual o nosso é uma pálida cópia) é explicado pela complexa relação entre o nacional-socialismo, o positivismo jurídico dos anos 30 e a dogmática.
 
É verdade! Mas duvido que o positivismo jurídico tenha sido um factor. Se há coisa clara no positivismo jurídico é a afirmação de que o direito é independente da moral e portanto não se pode falar de uma "obrigação moral" genérica de obedecer ao direito. Ao contrário do que se pensa, portanto, não é o positivismo jurídico que "financia" a ideia de que a lei é uma coisa sagrada.

Aristóteles foi um homem notável e disse e escreveu coisas notáveis. Mas também escreveu coisas estúpidas. Uma dessas coisas foi que a lei é razão sem paixão (os ingleses dizem, na mesma linha, que o "governo da lei não é o dos homens"). Como se os legisladores fossem seres supra-humanos... a lei é uma criação humana e aqui em Portugal é normalmante uma criação disforme.

Voltando ao Manuel Alegre, Nuno Garoupa tem toda a razão: que interessa alegar a lei como defesa quando ela é má? Quer dizer: uma coisa é o Alegre mencionar a lei no tribunal para se safar impune outra é mencioná-la na esfera pública para se safar da censura ...moral. Apesar de ser jurista (ou se clhar por ser jurista...), dou pouco crédito à leis e acho uma pouca-vergonha de todo o tamanho o que se tem passado com as reformas "legais"...
 
Enviar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?