domingo, fevereiro 11, 2007

 

Eficiencia so para alguns

Num artigo publicado em 1994 -- Why is the Legal System is Less Efficient Than the Income Tax in Redistributing Income? -- Louis Kaplow e Steven Shavell reintroduziram a AED no debate normativo sobre o direito (o debate sobre a questao: Como deve ser o direito?). O artigo de 1994 ressuscitou um debate que nos circulos academicos se julgava perdido para a AED, depois de uma famosa disputa entre Richard Posner e uma mao cheia de filosofos morais ou teoricos do direito (Jules Coleman, Ronald Dworkin, Duncan Kennedy, Mark Kelman, Mario Rizzo).

A tese de Kaplow e Shavell e muito simples: ao contrario do que se pode pensar, a redistribuicao de recursos operada por regras juridicas desperdica mais recursos escassos do que a tributacao de rendimentos. Em principio -- e assim se julgou durante muito tempo -- nao deveria ser assim. Uma regra com preocupacoes distributivas deveria ter um impacto no mercado de trabalho semelhante a um imposto, contando que o efeito-rendimento seja identico em ambos os casos. No entanto, a regra juridica causa uma dupla distorcao: para alem do efeito-rendimento, ha o problema da regra regular a actividade a que se aplica de uma forma ineficiente. Assim, por exemplo, se um regime de responsabilidade baseada na culpa para acidentes de viacao que causam danos em peoes for mais eficiente do que um regime de responsabiliadade objectiva ou pelo risco, mas o legislador insistir no segundo por achar que e injusto os peoes serem expostos a perigos gerados por bens que nao aproveitam, geram-se dois tipos de ineficiencias: os automobilistas empobrecem com o regime adoptado, o que pode causar efeitos perniciosos no mercado de trabalho, e um excedente capturavel com o regime baseado na culpa e desperdicado pela adopcao da solucao alternativa, a do regime baseado na responsabilidade objectiva ou pelo risco. Se em vez de compensar os peoes com o regime da responsabilidade civil por acidentes, o Estado compensa-os atraves do sistema fiscal, consegue-se capturar um excedente que contribui para o alargamento da receita do Estado. A conclusao triunfal e: todos beneficiam de um sistema juridico exclusivamente orientado pela eficiencia.

Tudo isto e excelente -- magnifica analise economica -- mas como em muitos estudos de AED ha um senao, e nesta caso nao e pequeno. Na nota de rodape 7 do estudo, os autores admitem (eu diria que envergonhadamente) que nem todos ficam melhor e talvez mesmo alguns fiquem pior. E que os peoes que ficam prejudicados com o sistema eficiente nao podem ser compensados sem que o sistema fiscal incorra em despesas de informacao absurdamente elevadas. Para que a coordenacao entre o sistema juridico e o fiscal seja perfeita, o segundo teria que registar os prejudicados com a operaco do primeiro em termos de eficiencia. Nao parece que tal seja economicamente viavel.

Temos o problema do costume. A AED promete colocar todos em condicoes de bem-estar superiores aquelas que o actual sistema -- manifestamente ineficiente -- garante. Mas na verdade so o faz de acordo com o seguinte criterio: se os beneficiarios da reforma pudessem compensar os prejudicados em condicoes hipoteticas, a reforma deve ser aplicada. O problema e que esta longe de ser claro porque e que uma compensacao hipotetica justifica uma reforma. Ao que acresce que os beneficiarios, mesmo podendo pagar mais, podem bem extrair menos utilidade do novo estado de coisas do que os perdedores extraiam do estado de coisas anterior. Sera isto "paretianismo paranoico", como Posner escreveu algures umas tantas decadas atras? Estou disposto a defender que nao. Eficiencia muito bem. Mas para todos.

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