sábado, junho 23, 2007

 

Catroga e ideias de Quem não estuda mas é Senador

Segundo a imprensa e a blogosfera, o ex-Ministro Catroga veio a público com duas ideias excelentes para a reforma da justiça. Infelizmente tanto uma como a outra são fruto do mais profundo desconhecimento da realidade judiciária e correspondem ao fenómeno infelizmente tão em voga em Portugal, não só falar do que não se estudou, como fazer políticas públicas em conversa de café (ou pior, consoante os interesses pontuais alheios ao bem comum):

1) Salário variável para os magistrados: onde existiu (caso espanhol, por exemplo) foi um desastre em termos de eficácia e melhoria da produtividade dos magistrados. É que o "especialista" (nas palavras do jornalista) Dr Catroga parte do princípio que existem indicadores de produtividade, objectivos quantificados ou mesmo apenas quantificáveis, etc. Mas não existem. E quando se começa a trabalhar no assunto, as métricas são complicadas. Tão complicadas que normalmente estão erradas e levam a uma gestão estratégica dos tais objectivos. Tivesse o Dr Catroga estudado as experiências espanhola, britânica e norte-americana e não teria dito semelhante disparate! Isto sem mencionar as questões processuais e administrativas inerentes a semelhante proposta, quem faz os indicadores e define os objectivos, com que informação se fazem esses indicadores e se avaliam esses objectivos, quem administra esses indicadores, etc.

2) Formação económica dos magistrados: Gostava que o Dr Catroga nos contasse em que país os magistrados têm uma formação económica significativamente mais acentuada que em Portugal. Em nenhum país do mundo ocidental, os magistrados têm formação económica, muito menos nos Estados Unidos onde na generalidade são bastante ignorantes em matéria económica. O que os magistrados precisam é de ter a humildade de reconhecer as suas limitações e ter um orçamento que lhes permita quando necessário socorrer-se de expert witnesses. O problema não é a formação económica dos magistrados, mas uma cultura judiciária muito contrária às expert witnesses combinada com recursos muito limitados para este tipo de instrumento. Os especialistas em economia são os economistas tal como os especialistas em gestão são os gestores; querer fazer dos magistrados especialistas em temas económicos é um absurdo que só nos afastaria das economias capitalistas!

Infelizmente os magistrados respondem com argumentos que não passam de desculpas incoerentes. O que acontece quando ninguém faz os trabalhos de casa...

Comments:
Não pretendo entrar em contraditório ou polémica, uma vez que não sufrago de todo o essencial da proposta de Catroga (a remuneração variável).

De facto, das declarações de Catroga só se aproveitam duas coisas, como penso ter dito no post citado - o reforço da seriedade da avaliação dos magistrados como critério de progressão na carreira e a aposta na formação complementar contínua. Quanto ao primeiro aspecto, ele teria por objectivo quebrar a tendência para a corporativização (que de imediato veio à tona nas declarações sindicais citadas) e tornar o sistema meritocrático. Quanto ao segundo tópico, aí sim poderemos discordar parcialmente. Sem prejuízo da existência de peritos ou de assessoria especializada permanente, como defende, continuo a pensar que a valorização curricular dos magistrados deve poder ser um factor diferenciado na progressão na carreira e representa uma mais-valia para o exercício de funções judiciais. O caso da formação económica é apenas um exemplo: a formação complementar em ciências da administração, por exemplo, reforçará a capacidade de julgar nos tribunais administrativos, assim como a formação complementar em criminologia dotará um magistrado num juízo criminal de maior capacidade de apreciação da prova produzida. Não me parece que seja um percurso a rejeitar, uma vez que se limita a permitir acrescer à indispensável solidez da formação jurídica um instrumento formativo adicional capaz de potenciar a capacidade de apreensão dos magistrados.

Já agora, aproveitamos para agradecer a identificação do nosso mini-blog com a globalidade da blogosfera - é daquelas coisas que dá algum conforto em dias de poucas visitas ao blog...
 
O que diz é de elementar bom senso e em nada contraria o que eu escrevi. Evidentemente que o que está não está bem, mas não é soluções a la Catroga para ter tempo de antena que resolvem o problema. Os temas que aponta passam por uma reflexão e quizás uma reforma quer o CSM, quer do CEJ (que na formação inicial que tem sido reestruturada no sentido certo); não ouvi os "especialistas" tocarem nesses pontos. O que eu vi escrito é conversa de café de quem jamais se dedicou realmente a estudar os temas.
 
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