segunda-feira, outubro 22, 2007

 

Politica e Direito: O TC politiciza o direito?

Menezes esta convencido de que o TC politiciza o controlo da constitucionalidade porque nao compreende que o controlo da constitucionalidade, quando nao toda a actividade jurisdicional, e eminentemente politica. A consciencia generalizada de que os tribunais sao orgaos necessariamente a-politicos corresponde a uma visao deformadissima do processo judicial. O direito e profundamente sub-determinado, senao mesmo indeterminado. As chamadas "consideracoes de politica legislativa" sao reproduzidas dentro do tribunal porque a resolucao de casos com base num sistema incompleto de normas a isso obriga.
Qualquer jurista com ideias amadurecidas nao partilha a ingenuidade de Menezes. Ronald Dworkin, que defendeu a vida toda a posicao de que para cada caso ha uma resposta "correcta", uma unica resposta correcta, afirmou com a mesma veemencia que a funcao jurisdicional e "profundamente politica". O mesmo se diga de juristas de proveniencias intelectuais tao diversas, como H.L.A. Hart, Hans Kelsen, Posner, Alexy, ou Unger. A posicao de que o "direito e politica" e geralmente associada aos chamados "crits" (critical legal studies), mas tal deve-se a mais uma das habituais confusoes da "opiniao publica" (a quem, como dizia o outro, nao se podem fazer concessoes), neste caso da opiniao publica juridica e das "elites" que falam sobre direito. Em primeiro lugar, ninguem que pensou seriamente no assunto defende, ou se defende lavra em equivocos dramaticos, que o "direito e politica" — so politica. Em segundo lugar, o que os criticos dizem e que: (a) ha mais politica feita atraves do discurso juridico do que se reconhece, mesmo entre juristas que defendem teorias elaboradas, e (b) a legitimidade do processo jurisdicional e afectada pela politicidade da funcao jurisidicional, porque o discurso juridico esta estruturado como se fosse um discurso neutro e tecnico. Agora, que no direito ha espaco para decisoes sobre grandes controversias morais, isso ninguem duvida, com a excepcao de um reduto formalista (e.g. Ernest Weinrib), bem mais sofisticado do que Menezes e, de qualquer modo, reservado ao direito civil patrimonial.
A grande questao nao e a de saber se a "aplicacao do direito" nao e constitutiva do direito — isso nao levanta duvidas de maior, ainda que a explicacao seja longa — mas o que e que devemos fazer relativamente a isso. Isto por duas razoes, alias bem diferentes: (a) os tribunais sao orgaos legitimados por uma logica tecnico-burocratica, como aquela que Max Weber brilhantemente descreveu, em vez de uma logica politica e decisionista, e (b) a maior parte dos casos nao chega aos tribunais — por razoes que o principio da utilidade marginal deixa substancialmente esclarecidas — o que significa que o "direito" que regula estes casos e um direito incompleto e indeterminado, deixando em aberto a questao de saber o que e que, na ausencia de uma decisao judicial, "determina" ou "completa" a regulacao pratica da maior parte da vida social.
Em vez da grande questao, entre nos pergunta-se (pela enesima vez) a questao idiota: Sera que nao devemos mudar de tribunal? A ideia de que e o TC que politiciza o direito inscreve-se no universo de profunda estupidez cultural a que podemos chamar "fetichismo institucional", e.g. a ideia de que alguma coisa muda no mundo se deslocarmos as decisoes do Palacio Ratton para a Praca do Comercio. O facto de que estas ideias vao sendo atiradas para os ares rarefeitos do espaco publico portugues e nao ha nenhuma reaccao sofisticada e firme, prova quao doente esta a intelligentia nacional e quao desavergonhada a classe politica. Mas tambem quao interessantes sao os tempos: as crises de ideias e de substancia sao sempre oportunidades de tranformacao.

Comments:
Parece-me que a diferenca est'a entre "politizacao" e "partidarizacao." Talvez o TC tenha excesso de partidarizacao (um big if), mas o STJ tem muita falta de politizacao (embuido que est'a de uma tecnocracia formalista que nao nos leva a nenhum lado). Precisamos urgentemente de politizar o STJ. Mau mesmo seria partidarizar antes de politizar, e essa seria a consequencia do plano de Menezes.
 
Estou absolutamente de acordo. E por isso que eu acho que a grande questao nao e a da "legitimidade" mas a oposta: se o direito e indeterminado/incompleto, a atitude formalista (de tentar dar uma cabecada em qualquer coisa com "forma" para evitar entrar no territorio controvertido) e a pior de todas. Pior do que fazer politica porque o direito a isso obriga e nao fazer politica e brincar com conceitos. Ou melhor: pior do que a politica activa e a politica do silencio. O silencio do poder e um silencio "que fala"...
 
Relativamente a partidarizacao: tens razao. Mas julgo que no STJ a decisdao de casos tb seria partidarizade SE fosse activamente politicizada. Em Portugal ha pouca consciencia politica "fora dos partidos"... as pessoas nao julgam os partidos por conviccao politica, mas formam conviccoes (ou fingem) atreladas a ultima irracionalidade defendida pelo partido.
 
Ha, claro, um unico aspecto em que talvez (duvido...) valha a pena fazer a pergunta a que chamei idiota: deve ser mais barato por o STJ a fazer o que o TC faz agora e nao vejo que as vantagens (?) de um TC compensem esse provavel diferencial.
 
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