sábado, abril 29, 2006
Do Óbvio para o Complexo e Polémico
A forma mais atraente de fazer filosofia moral e política, no meu entender, é partir de soluções consensuais ou quase-consensuais e tentar compreender os fundamentos morais dessa consensualiadade, de modo a abrir caminho à aplicação de princípios gerais noutras situações. Este método aproveita o melhor do racionalismo, por um lado, e da dialética socrática, por outro, estimulando ao mesmo tempo a ambição teórica e a humildade crítica. Vou tentar dar um exemplo:
Muita gente mal-disposta com a globalização propõe que se intensifique o poteccionismo no mundo chamado desenvolvido. Vejamos o caso dos têxteis chineses: anda para aí muito boa gente, e muito importante, que acha que o melhor remédio é fechar as alfândegas ou levantar barreiras robustas. Isto é moralmente saudável? Pensemos noutra situação: eu tenho uma fábrica de rolhas de cortiça e aparece de repente no mesmo mercado geográfico um concorrente que produz rolhas em fibra muito mais práticas e eficazes a preços equivalentes. Ao fim de algum tempo tenho de fechar a fábrica: não tenho condições para manter a minha quota no mercado, porque o meu produto é muito pior do que o da concorrência e o preço é pouco atraente. Esta situação é banal. E se o Estado ou a autarquia proibíssem o meu concorrente de entrar no mercado? Isto significaria que seriam ilegais quaisquer contratos entre consumidores e o meu concorrente. Razão de ser? Evitar que eu seja afastado da produção de um bem em que não consigo ser competitivo. Para me proteger de ter de mudar de actividade, penalizam-se os consumidores vedando-os de exercerem simplesmente a sua liberdade contratual. Por outras palavras: tributam-se os consumidores. Por outro lado, cilindra-se a liberdade contratual e os direitos de propriedade do meu concorrente, a quem se veda a opção por um dos usos alternativos dos seus recursos.
É exactamente isto que se passa com o proteccionismo. A resistência à globalização - nome pomposo para o alargamento da escala dos mercados devida à redução dramática dos custos de transacção e transporte - aumenta a pressão fiscal, redistribuindo recursos na sociedade para manter maus negócios. O palavreado incontinente de políticos, sindicatos e empresários pode contribuir para tornar o problema tão nebuloso quanto intractável, mas uma análise destemida torna transparente a violência política escondida na retórica pública. A mesma lógica que suporta a "protecção" contra a globalização serviria para impedir os albicastrenses de venderem mercadorias em Lisboa. Afinal, não passa daquela lógica dos interesses que se reveste de ornamentos retóricos e consegue, surpreendentemente, envenenar o espaço democrático...
Muita gente mal-disposta com a globalização propõe que se intensifique o poteccionismo no mundo chamado desenvolvido. Vejamos o caso dos têxteis chineses: anda para aí muito boa gente, e muito importante, que acha que o melhor remédio é fechar as alfândegas ou levantar barreiras robustas. Isto é moralmente saudável? Pensemos noutra situação: eu tenho uma fábrica de rolhas de cortiça e aparece de repente no mesmo mercado geográfico um concorrente que produz rolhas em fibra muito mais práticas e eficazes a preços equivalentes. Ao fim de algum tempo tenho de fechar a fábrica: não tenho condições para manter a minha quota no mercado, porque o meu produto é muito pior do que o da concorrência e o preço é pouco atraente. Esta situação é banal. E se o Estado ou a autarquia proibíssem o meu concorrente de entrar no mercado? Isto significaria que seriam ilegais quaisquer contratos entre consumidores e o meu concorrente. Razão de ser? Evitar que eu seja afastado da produção de um bem em que não consigo ser competitivo. Para me proteger de ter de mudar de actividade, penalizam-se os consumidores vedando-os de exercerem simplesmente a sua liberdade contratual. Por outras palavras: tributam-se os consumidores. Por outro lado, cilindra-se a liberdade contratual e os direitos de propriedade do meu concorrente, a quem se veda a opção por um dos usos alternativos dos seus recursos.
É exactamente isto que se passa com o proteccionismo. A resistência à globalização - nome pomposo para o alargamento da escala dos mercados devida à redução dramática dos custos de transacção e transporte - aumenta a pressão fiscal, redistribuindo recursos na sociedade para manter maus negócios. O palavreado incontinente de políticos, sindicatos e empresários pode contribuir para tornar o problema tão nebuloso quanto intractável, mas uma análise destemida torna transparente a violência política escondida na retórica pública. A mesma lógica que suporta a "protecção" contra a globalização serviria para impedir os albicastrenses de venderem mercadorias em Lisboa. Afinal, não passa daquela lógica dos interesses que se reveste de ornamentos retóricos e consegue, surpreendentemente, envenenar o espaço democrático...
sexta-feira, abril 28, 2006
Responsabilidade penal das empresas
Quando ensino análise económica da responsabilidade penal, explico que finalmente encontramos um caso em que Portugal tem uma vantagem jurídica sobre os Estados Unidos: não precisou de 30 anos de discussão entre juristas para descobrir que a responsabilidade penal das empresas por pessoa singular ao seu serviço responsável pela prática de um crime tem muitas desvantagens e muito poucas vantagens em termos de dissuasão, investigação e condenação dos delitos corporativos. Simplesmente não estava contemplado esse instrumento penal e ainda bem. Mas com 30 anos de atraso, sem qualquer consideração pela vastíssima literatura teórica e empírica sobre o tema, o Governo resolve introduzir esse instrumento penal em 2006. Não sei se faz mais confusão a ignorância de quem o faz, ou a falta de conhecimento científico de quem propõe. De qualquer forma, é triste que sempre chegamos tarde e a más horas... Talvez na próxima reforma penal se lembrem de dar uma olhada ao que se faz noutras bandas... Aprender um pouco de inglês não faz mal a ninguém...
Bacários de Rapina
Com este título que alude a um livro em castelhano sobre o célebre Mário Conde, gestor bancário pouco escrupoloso que acabou na prisão, redirecciono os leitores para a troca desavergonhada, ridícula e complexada de mimos entre os Presidentes do BCP e do BPI.
Só há uma conclusão: estes anónimos agentes da banca global, onde «não têm currículo», têm um currículo moral que deixa muito a desejar...
Só há uma conclusão: estes anónimos agentes da banca global, onde «não têm currículo», têm um currículo moral que deixa muito a desejar...
quarta-feira, abril 26, 2006
Juízes II
Uma leitora comentou que seria interessante comparar as pendências do STA com as do STJ (presumo), na sequência de conclusões sugeridas no meu post precedente. Tem toda a razão. Recorri à base de dados do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento. Antes de apresentar os dados, que aliás confirmam as minhas intuições, gostaria de dizer que os números não fala enfaticamente por si, pelos menos por três razões:
1. A variável observada ("processos pendentes") é muito limitada como indicador do progresso (ou regresso) da justiça. Só poderemos ter uma visão compreensiva da dinâmica do sistema quando possuírmos um instrumento credível para medir: a) a evolução do rácio quantidade/qualidade; b) relação entre quantidade de litigãncia e oferta de decisões; e c) relação entre a) e b).
2. Não conferi, nem deve ser possível conferir em todo o caso, a qualidade do sistema de recolha e organização dos dados. Não sou especialista, ou sequer competente, em tratamento de dados, mas as poucas vezes que tive de recorrer a bases de dados que deveriam ser credíveis, como as estatísticas macroeconómicas e de desenvolvimento estrutural do Banco Mundial, percebi claramente que há uma dimensão esmagadora de vigarice.
3. Há sempre variáveis omissas ou mesmo inarticuláveis (resistentes à observação) que não vêm ponderadas.
Dito isto, eis o que encontrei:
STJ:
Em 2001: 1261 processos pendentes, 4423 processos entrados, 4406 processos findos.
Em 2002: 1278 processos pendentes, 4582 processos entrados, 4636 processos findos.
A análise por secções (cível, criminal, social) conduz a uma conclusão antecipável intuitivamente: a cível é a que funciona pior em termos de quantidade da oferta, a criminal também está em défice e o ganho em 2002 no balanço de pendências deve-se à secção social.
STA (pouca informação):
Em 2002: 2640 processos pendentes, 2409 processos entrados, 2637 processos findos.
De 2001 para 2002 a hierarquia dos Tribunais Administrativos e Fiscais reduziu o número total de pendências de 139585 para 78292. Não há um indicador semelhante para os Tribunais Judiciais, mas a soma dos dados relativos a variáveis mais restritas conduz à conclusão de que o desempenho foi bem pior, especialmente nas secções cíveis. Obviamente que a diminuição abrupta da "dívida" dos Tribunais Administrativos tem de ter uma explicação (parcialmente) exógena. Suponho que estará indirectamente relacionada com a reforma da Justiça Administrativa que forçou o governo a investir politicamente na aceleração da oferta de decisões em matéria administrativa e fiscal.
Os dados não foram seleccionados para provar a minha sugestão no post anterior. Estou a referir todos os dados que existem sobre o tema na fonte que consultei. (Eu sei: é paupérrimo!). Cf. http://www.gplp.mj.pt/estjustica/CD2002/Anuário%20Estatístico%20da%20justiça%20CDROM/Dados%20Estatísticos/PDF/I%20Capitulo/4.1.pdf e http://www.gplp.mj.pt/estjustica/CD2002/Anu%C3%A1rio%20Estat%C3%ADstico%20da%20Justi%C3%A7a%20CDROM/Dados%20Estat%C3%ADsticos/PDF/I%20Capitulo/3.4.pdf
1. A variável observada ("processos pendentes") é muito limitada como indicador do progresso (ou regresso) da justiça. Só poderemos ter uma visão compreensiva da dinâmica do sistema quando possuírmos um instrumento credível para medir: a) a evolução do rácio quantidade/qualidade; b) relação entre quantidade de litigãncia e oferta de decisões; e c) relação entre a) e b).
2. Não conferi, nem deve ser possível conferir em todo o caso, a qualidade do sistema de recolha e organização dos dados. Não sou especialista, ou sequer competente, em tratamento de dados, mas as poucas vezes que tive de recorrer a bases de dados que deveriam ser credíveis, como as estatísticas macroeconómicas e de desenvolvimento estrutural do Banco Mundial, percebi claramente que há uma dimensão esmagadora de vigarice.
3. Há sempre variáveis omissas ou mesmo inarticuláveis (resistentes à observação) que não vêm ponderadas.
Dito isto, eis o que encontrei:
STJ:
Em 2001: 1261 processos pendentes, 4423 processos entrados, 4406 processos findos.
Em 2002: 1278 processos pendentes, 4582 processos entrados, 4636 processos findos.
A análise por secções (cível, criminal, social) conduz a uma conclusão antecipável intuitivamente: a cível é a que funciona pior em termos de quantidade da oferta, a criminal também está em défice e o ganho em 2002 no balanço de pendências deve-se à secção social.
STA (pouca informação):
Em 2002: 2640 processos pendentes, 2409 processos entrados, 2637 processos findos.
De 2001 para 2002 a hierarquia dos Tribunais Administrativos e Fiscais reduziu o número total de pendências de 139585 para 78292. Não há um indicador semelhante para os Tribunais Judiciais, mas a soma dos dados relativos a variáveis mais restritas conduz à conclusão de que o desempenho foi bem pior, especialmente nas secções cíveis. Obviamente que a diminuição abrupta da "dívida" dos Tribunais Administrativos tem de ter uma explicação (parcialmente) exógena. Suponho que estará indirectamente relacionada com a reforma da Justiça Administrativa que forçou o governo a investir politicamente na aceleração da oferta de decisões em matéria administrativa e fiscal.
Os dados não foram seleccionados para provar a minha sugestão no post anterior. Estou a referir todos os dados que existem sobre o tema na fonte que consultei. (Eu sei: é paupérrimo!). Cf. http://www.gplp.mj.pt/estjustica/CD2002/Anuário%20Estatístico%20da%20justiça%20CDROM/Dados%20Estatísticos/PDF/I%20Capitulo/4.1.pdf e http://www.gplp.mj.pt/estjustica/CD2002/Anu%C3%A1rio%20Estat%C3%ADstico%20da%20Justi%C3%A7a%20CDROM/Dados%20Estat%C3%ADsticos/PDF/I%20Capitulo/3.4.pdf
segunda-feira, abril 24, 2006
Finalmente a solução para a qualidade da democracia...
O PSOE acaba de anunciar que apoiará o projecto grande simio (http://www.proyectogransimio.org/) que equiparará os simios aos humanos pelo que se lhes aplicará os mesmos direitos humanos. Finalmente, e no mais adequado cumprimento dos direitos humanos, em próximos actos eleitorais, esperamos que se apresentem listas e partidos de simios para que possamos, não só melhorar a democracia, como finalmente votar em gente séria que cumpre as suas promessas. Temos solução para os nossos problemas. Temos solução para várias lideranças partidárias. Simios ao governo...
sábado, abril 22, 2006
Juízes
Junto-me a Nuno Garoupa no protesto contra a dupla violação do espaço democrático pela selvajaria política do governo: manipulação política dos dados sobre o desempenho dos juízes e politização descarada da informação. Dito isto, não esquecer, uma vez mais como Garoupa não esqueceu, a deplorável falta de decoro profissional dos juízes: desde sindicalismo imoral a arrogância chauvinista, os juízes são, com uma menção aos farmacêuticos, um dos mais irritantes, irracionais, incooperantes, imorais e anti-patrióticos grupos de interesse em Portugal. E sim: a maior parte das sentaças e acordãos são de uma qualidade miserável, para dizer o mínimo.
Naturalmente que escapam a estes comentários alguns raros exemplos de ombriedade profissional e humana e elevada qualidade técnica. Não faço menções individuais, mas refiro em termos institucionais o STA. Muitas decisões de qualidade e menos atrasos na oferta.
Naturalmente que escapam a estes comentários alguns raros exemplos de ombriedade profissional e humana e elevada qualidade técnica. Não faço menções individuais, mas refiro em termos institucionais o STA. Muitas decisões de qualidade e menos atrasos na oferta.
Mitos Jurídicos
Acabado de chegar da Holanda e da Noruega, onde participei numa conferência e num workshop, ambos sobre "pluralismo jurídico, estado e poder tradicional em África", tive a oportunidade de re-consciencializar a natureza profundamente mitológica de alguns dos ensinamentos da faculdade de direito: que o direito é uma coisa dos estados, que os estados são coisas extraordinárianente civilizadas e que África é um continente perdido de Deus, perdido dos investidores e, maldição das maldições, perdido do direito. Recordo as palavras de um professor de direito que prefiro não identificar: "toda a gente sabe que o direito é uma coisa europeia, já para não dizer que só nasceu com a revolução francesa". Nos entretantos, lembrei os audititórios nórdicos, por sinal bem menos mitológicos, que o Reino Unido é a democracia constitucional mais velha do mundo e a autoridade política suprema é uma combinação "incongruente" de poder tradicional e "moderno" (Queen in Parliment), que os católicos reconhecem o direito canónico independentemente do reconhecimento pelo estado, que os estados são muitas vezes terroristas institucionalizados e que África, se bem que perdida de muitas coisas (e talvez de Deus) não o é certamente do direito. O autismo cultural potencia o chauvinismo. Uma das razões pelas quais o mundo está como está (apesar de tudo talvez melhor do que nunca...) e os juristas, a meu ver, não ajudam nada!
A recentes sentenças do STJ
Não pode ser apenas uma coincidência que certa comunicação social decida dar atenção e destaque a determinadas sentenças do STJ, e ao que tudo indica de forma selectiva. Sabendo nós como funcionam estas coisas, suponho que vamos assistir a uma campanha para descredibilizar o STJ e a mais alta magistratura. O objectivo provável é antecipar o anúncio de novas medidas governamentais na área da Justiça. Tem sido a gestão política deste Governo na educação, na saúde, na administração pública, e também na justiça. Certamente que existe muito coisa a dizer, a criticar e a reformar no STJ e na mais alta magistratura. Mas a forma de fazer as coisas pode bem mais esconder a ausência de estratégia e pensamento do que uma verdadeira vontade reformista.
quarta-feira, abril 12, 2006
Estudo das Férias Judiciais
Finalmente publicado o "famoso estudo" das férias judiciais.
Numa palavra: patético. Nível de sofisticação: zero. Qualidade técnica: tratamento de dados, aluno medíocre do 1o ano de Economia.
Numa palavra: patético. Nível de sofisticação: zero. Qualidade técnica: tratamento de dados, aluno medíocre do 1o ano de Economia.
segunda-feira, abril 10, 2006
Prodi e Merkel
Confirma-se aquilo muitos não queriam ver: o Prodi é a Merkel dos socialistas. Favorito em todas as sondagens, parte com uma vantagem imbatível, e é batido nas urnas. Porém deixa a Itália numa grave situação pois não só Berlusconi é um senhor muito pouco recomendável, como qualquer solução governativa estará dependente de pequenos partidos muito pouco recomendáveis!! Ou seja, pouco recomendável ao quadrado...
A direita mais estúpida do mundo...
Confirma-se que a direita francesa é a mais estúpida do mundo como dizia o outro.
Ou o CPE é realmente o resultado de uma análise de política económica correcta e a decisão de Chirac um oportunismo político com consequências gravíssimas para França, ou o CPE é uma daquelas coisas que ninguém no Governo sabe muito bem o que é e a decisão de Chirac já devia ter sido tomada no início de Março. Que o governo de Villepin está ferido de morte, não há dúvida. Mas fica no ar a suspeita que o Governo da direita --e temo que os socialistas se chegam ao Governo-- não sabem como reformar o modelo económico e social francês.
Ou o CPE é realmente o resultado de uma análise de política económica correcta e a decisão de Chirac um oportunismo político com consequências gravíssimas para França, ou o CPE é uma daquelas coisas que ninguém no Governo sabe muito bem o que é e a decisão de Chirac já devia ter sido tomada no início de Março. Que o governo de Villepin está ferido de morte, não há dúvida. Mas fica no ar a suspeita que o Governo da direita --e temo que os socialistas se chegam ao Governo-- não sabem como reformar o modelo económico e social francês.
quinta-feira, abril 06, 2006
Ensinar Direito em Portugal
Reagindo ao estímulo provocado por cometário anónimo ao "post" de Nuno Garoupa sobre o ensino do direito, vou tentar resumir os "três pilares" da "hegemonia cultural" da docência do direito em Portugal.
I. Um Professor de direito português não pode ser avaliado por critérios internacionais, como o número de publicações em revistas reputadas ou de convites para leccionar cursos no estrangeiro porque: a) o direito é por natureza uma disciplina "local", condicionada pela língua, cultura e tradição política de um povo; b) a tradição jurídica portuguesa, tal como reproduzida e burilada nos trabalhos doutrinários, é algo de único, é um traço distintinto da diferencialidade intelectual portuguesa, inacessível para um estrangeiro; c) um Professor de direito sabe tudo sobre todas as matérias relevantes e não precisa de ser julgado. (De acordo com um reputado dirigente da política de investigação em Portugal, com quem discuti o assunto pessoal e informalmente, este último é "o" argumento utilizado pelos "representantes" dos docentes de direito nas negociações de pacotes de reforma pedagógica e científica).
II. Um aluno de direito português não tem de saber mais do que aquilo que a faculdade de direito está preparada para lhe ensinar. Não deve estudar economia na faculdade de economia com professores doutorados em Harvard ou na LSE, porque há um sábio mestre que ensina economia política há cinco décadas, publicou um manual e sabe tudo o que há para saber sobre a matéria. Não deve estudar ciência política com um politólogo doutorado em Oxford ou Chicago, porque o professor de direito constitucional publicou há três décadas o primeiro tomo do primeiro volume de um curso de ciência política em que classificou todos os regimes, sistemas e formas de governo políticos, que é de dizer tudo aquilo que um jurista precisa de saber sobre o assunto; não pode ousar migrações conceptuais interdisciplinares, ainda que cautelosas, porque é uma heresia atacar o pedigree da intelligentsia jurídica. Finalmente, aquilo que um estudante de direito não deve saber é que quanto menos souber sobre assuntos "não-jurídicos", menos aborrecimentos intelectuais há para os mestres e mais empregos há para os candidatos a mestres, especialmente aqueles que querem dedicar pouco tempo a actividades tão pouco atraentes do ponto de vista financeiro como ensinar e investigar.
III. Quem tem pretensões académicas deve tomar em linha de conta que obviamente é absurso doutorar-se no estrangeiro, especialmente nos Estados Unidos. Os que se doutoram nas universidades mais reputadas sãos uns asnos, uns ignorantes e uns inúteis ao progresso da Ciência do Direito. Eles não sabem nada de direito. Eles doutoram-se antes dos 40/50 anos, em pleno estado de imaturidade intelectual. Eles não citam bibliografia em cinco línguas. Eles não escrevem páginas suficientes para demonstrar consideração pelos monumentos doutrinários que os precederam. Eles ousam a criatividade, como se fosse possível que o mundo das ideias sobre o direito não tivesse acabado com aquela sebenta publicada no ano passado. Não: eles são uns insolentes e uns imprestáveis. Quem quiser ensinar direito tem de prestar homenagem à exceptional singularidade da cultura jurídica portuguesa, esse legado carreado pelos professores de direito desde tempos imemoriais!
Este material empírico, produto da minha observação directa e de conversas com outros observadores internos, é um rico estímulo a um trabalho sobre rent-seeking nas faculdades de direito. Mas é também, e isso é muito grave, uma parte da explicação da atrofia cultural e intelectual do capital humano ao serviço da justiça portuguesa. A um nível mais profundo, ocorre recordar que os juristas são, permitam-me este termo marxizante, a "classe dominante" por excelência em Portugal!
I. Um Professor de direito português não pode ser avaliado por critérios internacionais, como o número de publicações em revistas reputadas ou de convites para leccionar cursos no estrangeiro porque: a) o direito é por natureza uma disciplina "local", condicionada pela língua, cultura e tradição política de um povo; b) a tradição jurídica portuguesa, tal como reproduzida e burilada nos trabalhos doutrinários, é algo de único, é um traço distintinto da diferencialidade intelectual portuguesa, inacessível para um estrangeiro; c) um Professor de direito sabe tudo sobre todas as matérias relevantes e não precisa de ser julgado. (De acordo com um reputado dirigente da política de investigação em Portugal, com quem discuti o assunto pessoal e informalmente, este último é "o" argumento utilizado pelos "representantes" dos docentes de direito nas negociações de pacotes de reforma pedagógica e científica).
II. Um aluno de direito português não tem de saber mais do que aquilo que a faculdade de direito está preparada para lhe ensinar. Não deve estudar economia na faculdade de economia com professores doutorados em Harvard ou na LSE, porque há um sábio mestre que ensina economia política há cinco décadas, publicou um manual e sabe tudo o que há para saber sobre a matéria. Não deve estudar ciência política com um politólogo doutorado em Oxford ou Chicago, porque o professor de direito constitucional publicou há três décadas o primeiro tomo do primeiro volume de um curso de ciência política em que classificou todos os regimes, sistemas e formas de governo políticos, que é de dizer tudo aquilo que um jurista precisa de saber sobre o assunto; não pode ousar migrações conceptuais interdisciplinares, ainda que cautelosas, porque é uma heresia atacar o pedigree da intelligentsia jurídica. Finalmente, aquilo que um estudante de direito não deve saber é que quanto menos souber sobre assuntos "não-jurídicos", menos aborrecimentos intelectuais há para os mestres e mais empregos há para os candidatos a mestres, especialmente aqueles que querem dedicar pouco tempo a actividades tão pouco atraentes do ponto de vista financeiro como ensinar e investigar.
III. Quem tem pretensões académicas deve tomar em linha de conta que obviamente é absurso doutorar-se no estrangeiro, especialmente nos Estados Unidos. Os que se doutoram nas universidades mais reputadas sãos uns asnos, uns ignorantes e uns inúteis ao progresso da Ciência do Direito. Eles não sabem nada de direito. Eles doutoram-se antes dos 40/50 anos, em pleno estado de imaturidade intelectual. Eles não citam bibliografia em cinco línguas. Eles não escrevem páginas suficientes para demonstrar consideração pelos monumentos doutrinários que os precederam. Eles ousam a criatividade, como se fosse possível que o mundo das ideias sobre o direito não tivesse acabado com aquela sebenta publicada no ano passado. Não: eles são uns insolentes e uns imprestáveis. Quem quiser ensinar direito tem de prestar homenagem à exceptional singularidade da cultura jurídica portuguesa, esse legado carreado pelos professores de direito desde tempos imemoriais!
Este material empírico, produto da minha observação directa e de conversas com outros observadores internos, é um rico estímulo a um trabalho sobre rent-seeking nas faculdades de direito. Mas é também, e isso é muito grave, uma parte da explicação da atrofia cultural e intelectual do capital humano ao serviço da justiça portuguesa. A um nível mais profundo, ocorre recordar que os juristas são, permitam-me este termo marxizante, a "classe dominante" por excelência em Portugal!
terça-feira, abril 04, 2006
Reforma do Ensino do Direito (II)
O Diário Económico de hoje traz mais uma pérola sobre o ensino do Direito em Portugal; Direito recusa licenciaturas de três anos. Depois dos tristes espectáculos que foram a avaliação das licenciaturas e o relatório sobre a implementação de Bolonha em Direito, tudo fica adiado para 2007-08.
Um dos argumentos é que a formação dos juristas não poder ser apenas de três anos (todos sabemos que a formação jurídica e a qualidade do sistema jurídico anglo-saxónico onde a formação é de três anos é muito pior que a portuguesa; já para não falar dos países escandinavos onde o aconselhamento jurídico pode ser exercido por pessoas sem habilitações académicas em Direito). Por isso mesmo a empregabilidade dos advogados com licenciaturas de 5 anos e com uma matriz tradicional não para de aumentar!! Os advogados formados no Reino Unido em cursos rápidos de três anos e aqueles que são formados em Portugal em cursos que souberam romper com a matriz tradicional não para de descer!!
Infelizmente para o cartel conservador que ainda domina o ensino do Direito em Portugal (como se viu no relatório de avaliação das licenciaturas), o mercado de trabalho não perdoa e a integração e globalização do mundo do Direito não deixam margem para dúvidas das grandes tendências para o futuro. Por isso, tudo o que façam para impedir a convergência do ensino do Direito português com o resto do mundo ocidental prejudicará os futuros advogados a curto prazo, mas não sobreviverá no médio prazo. Até porque a pressão interna para romper o cartel já não é surda (e.g., a reacção da UCP e da UNL ao relatório de avaliação das licenciaturas defendendo uma avaliação internacional).
Também a Ordem dos Advogados defende 5 anos, numa daquelas reacções de manual, pois os interesses dos 23 mil incumbents têm de ser argumentados. Mas não se iludem os estudantes de Direito. Entre aquilo que diz a OA e o que fazem os grandes escritórios de advocacia já integrados no mercado europeu existe uma grande e enorme diferença. Muitas vezes até são as mesmas pessoas que dizem uma coisa enquanto OA e fazem outra enquanto law firm partner.
Um dos argumentos é que a formação dos juristas não poder ser apenas de três anos (todos sabemos que a formação jurídica e a qualidade do sistema jurídico anglo-saxónico onde a formação é de três anos é muito pior que a portuguesa; já para não falar dos países escandinavos onde o aconselhamento jurídico pode ser exercido por pessoas sem habilitações académicas em Direito). Por isso mesmo a empregabilidade dos advogados com licenciaturas de 5 anos e com uma matriz tradicional não para de aumentar!! Os advogados formados no Reino Unido em cursos rápidos de três anos e aqueles que são formados em Portugal em cursos que souberam romper com a matriz tradicional não para de descer!!
Infelizmente para o cartel conservador que ainda domina o ensino do Direito em Portugal (como se viu no relatório de avaliação das licenciaturas), o mercado de trabalho não perdoa e a integração e globalização do mundo do Direito não deixam margem para dúvidas das grandes tendências para o futuro. Por isso, tudo o que façam para impedir a convergência do ensino do Direito português com o resto do mundo ocidental prejudicará os futuros advogados a curto prazo, mas não sobreviverá no médio prazo. Até porque a pressão interna para romper o cartel já não é surda (e.g., a reacção da UCP e da UNL ao relatório de avaliação das licenciaturas defendendo uma avaliação internacional).
Também a Ordem dos Advogados defende 5 anos, numa daquelas reacções de manual, pois os interesses dos 23 mil incumbents têm de ser argumentados. Mas não se iludem os estudantes de Direito. Entre aquilo que diz a OA e o que fazem os grandes escritórios de advocacia já integrados no mercado europeu existe uma grande e enorme diferença. Muitas vezes até são as mesmas pessoas que dizem uma coisa enquanto OA e fazem outra enquanto law firm partner.
domingo, abril 02, 2006
Desastre do MNE no Canadá
A desastrosa gestão e intervenção do MNE no Canadá vem confirmar duas coisas:
(i) Quando os decisores de política vivem da e para a comunicação social, a política é desastrosa (não se estuda os temas, não se antecipam os problemas, ignoram-se os sinais, procuram-se editoriais favoráveis e aprovação geral dos jornalistas em detrimento da resolução dos problemas);
(2) Quando os decisores de política olham para o umbigo e tratam o que está para além de Velha Europa com aquele desdém francófono de superioridade moral e cultural, a política é patética (antes de dar lições deve-se estudar a lição, afinal o Canadá é um Estado de Direito de fazer inveja a Portugal e não o contrário).
Muito graves foram as declarações do ex-PR, Jorge Sampaio, não pela substância e contéudo, mas pela lógica subjacente. Mostra bem como muita coisa foi decidida durante dez anos em Belém. Não admira que tenha presidido à derrocada e ao desastre governativo.
(i) Quando os decisores de política vivem da e para a comunicação social, a política é desastrosa (não se estuda os temas, não se antecipam os problemas, ignoram-se os sinais, procuram-se editoriais favoráveis e aprovação geral dos jornalistas em detrimento da resolução dos problemas);
(2) Quando os decisores de política olham para o umbigo e tratam o que está para além de Velha Europa com aquele desdém francófono de superioridade moral e cultural, a política é patética (antes de dar lições deve-se estudar a lição, afinal o Canadá é um Estado de Direito de fazer inveja a Portugal e não o contrário).
Muito graves foram as declarações do ex-PR, Jorge Sampaio, não pela substância e contéudo, mas pela lógica subjacente. Mostra bem como muita coisa foi decidida durante dez anos em Belém. Não admira que tenha presidido à derrocada e ao desastre governativo.
sábado, abril 01, 2006
Nomeações do PR para o CSM
Ao contrário de vários comentários de bloggers, parece-me que as escolhas do PR para o CSM apenas confirmam aquilo que já sabíamos do Prof. Cavaco Silva, com ele o status-quo instalado do sistema contínua... Se esperam por ele para as grandes reformas, bem podem esperar... É mais reformista o PM que o PR...