sábado, setembro 30, 2006

 

O Novo Presidente do STJ

O interesse e a cobertura que foi dada à eleição do novo Presidente do STJ mostrou bem os problemas de governança que temos na Justiça em Portugal, secretismo, falta de transparência, falta de accountability, corporativismo por um lado, e falta de interesse, ignorância, ausência de compreensão do que está em jogo por outro. Foi preciso o editorial do Público para que comentadores e magistrados tratam-se de falar do assunto.

Parece-me errado fulanizar a questão, parece-me correcto criticar a forma absolutamente escandalosa que actualmente consiste o autogoverno dos magistrados (o conflicto de interesse entre quem no CSM nomeia para o STJ e depois é eleito presidente do STJ deveria ter preocupado o legislador constituinte). Mostra bem o desastre que é o pacto da justiça do PS e do PSD que sobre isso... népia!

segunda-feira, setembro 25, 2006

 

Litigancia e Desenvolvimento Economico nos E.U.A.

A expansao da "tort liability" (+ ou - "responsabilidade civil extra-contratual") nos Estados Unidos arrastou milhares de processos ridiculos para os tribunais e gerou uma cultura de imputacao que esta a destruir os pequenos e medios negocios na America e a obrigar as grandes empresas a transferirem o "tort tax" para a esfera dos consumidores, atraves do aumento dos precos. Eis a conclusao, preparada com antecedencia, da White House Economic Conference liderada pelo Presidente Bush. Apesar da "conferencia", como poderao ver, ser mais um espectaculo plebiscitario do que uma discussao de ideias, a verdade e que o que se passa nos tribunais e discutido no processo de elaboracao de prioridades politicas nos Estados Unidos, em claro contraste com o que se passa em Portugal. Se quiserem dar uma vista de olhos, vejam http://www.whitehouse.gov/news/releases/2004/12/20041215-11.html.

Para os que nao conhecem a historia dos "torts" nos E.U.A., o problema, se for um problema (eu acho que e), comecou numa ridicula decisao do Supremo Tribunal do Wisconsin no caso Vosburg v Putney (1891), em que um pontape de um miudo na canela de outro na sala de aula para chamar a atencao "causou" uma lesao irreversivel na vitima que culminou em aputamento da perna atingida, porque o femur estava anormalmente fragilizado em virtude de uma infeccao muito rara. O agressor, que nao so nao quis causar nenhum dano como nao poderia ter previsto as consequencias do seu acto, acabou por ser condenado por ter cometido "battery", um "intentional tort"... apesar da decisao ter sido citada como precedente para casos de "strict liability" (responsabilidade objectiva). O ultimo exemplo desta jurisprudencia e o famoso caso da senhora que se queimou na boca ao beber um cafe quente e processou o McDonald's... no que acabou, sob a ameaca de mais "strictness" judicial, num acordo milionario...

(Os puristas que me perdoem a falta de acentos, mas estou a escrever a partir de Cmbridge, Massachusets!)

sexta-feira, setembro 22, 2006

 

O Novo PGR

Não conheço o novo PGR mas tudo indica que pode ser a escolha certa e que rompa com a situação catastrófica que o actual PGR deixa em herança. Mas mais interessante que o nome escolhido é ver como as questões que me parecem fundamentais são uma vez mais escamoteadas, escondidas, até evitadas pelos articulistas (o editorial de ontem do DN foi uma rara excepção) e pelo "excelente" pacto da Justiça (o tal amplamente elogiado mas que toca no acessório e não mexe no fundo da questão).

1) O processo de escolha do PGR não é transparente nem procura valorizar os méritos dos possíveis candidatos, mas é próprio de um regime opaco, onde tudo se passa em gabinetes e em conversas informais de bastidores, onde os partidos políticos são consultados ex ante mas não podem avaliar ex post, onde se privilegiam os silêncios e as cumplicidades em vez da clarividência das ideias e dos projectos;

2) Ao escolhido e ungido pelo Governo não se ouve nem se conhecem, e muito menos avaliam, as ideias nem os projectos para o mandato que se inicia, e ainda menos o que acha ou deixa de achar sobre as mais variadas questões sociais importantes e relevantes para o seu mandato (por exemplo, IVG, corrupção, etc.) nos foruns adequados (só pode ser a Assembleia da República) mas apenas um eco distante na comunicação social (não há audição parlamentar, não tem de elaborar um programa estratégico para o seu mandato, etc.);

3) Tudo que se leu e ou ouviu foi meramente sobre o perfil adequado e depois sobre a pessoa escolhida (e os não escolhidos), nada sobre para que serve a PGR, como reformar o Ministério Público, como reforçar a independência mas forçando a necessária accountability, etc.

Todo o processo de escolha do novo PGR mostrou bem o que está mal na estrutura e na filosofia subjacente à Justiça portuguesa. Pode ser que o escolhido seja realmente a melhor pessoa para o lugar –assim espero, mas não deixa de ser interessante como apenas os aspectos laterais e fulanizados mereceram atenção. Precisamente mostra o que está errado no pacto da Justiça, concentra-se no acessório e evita o fundamental, apresenta-se como neutral a questões ideológicas para manter a estrutura ou a filosofia do pensamento subjacente à Justiça que nos levou até onde estamos hoje. Na PGR como em tudo o resto. É continuar a insistir no erro de que o problema é conjuntural e não estrutural. Se por milagre encontrarmos um D. Sebastião para a PGR e um grupo de cavaleiros de Camelot para o STJ e para o CSM, fica tudo resolvido.

domingo, setembro 10, 2006

 

Reforma da Justiça (IV)

O consenso quase generalizado dos articulistas e opinion-makers nos jornais sobre a reforma da Justiça, a ausência de críticas por parte de quem sempre as faz mesmo na blogosfera, e o pouco que se vê nos blogs dos magistrados (aqui e aqui) levam-me às seguintes conclusões:

(i) continua a ser difícil criticar o bloco central em Portugal;

(ii) muitos dos articulistas ou não leu o documento do pacto PS/PSD, ou contenta-se com muito pouco;

(iii) não existe uma visão sistémica da Justiça (como usualmente têm da Saúde ou da Educação) e muitos têm muita dificuldade em perceber os mecanismos de transmissão de como a Justiça afecta a Economia (veremos se estas reformas vão dar-nos a tal Justiça célere e eficaz, eu acho que não);

(iv) o modelo subjacente é tão anti-neoliberal como em qualquer outra área do Estado português mas não incomoda os meus amigos neoliberais, tão críticos quanto se fala de Administração Pública, Saúde ou Educação, Segurança Social ou Economia; curiosamente não têm ideias originais neste tema, engolem o sistema fracófono sem traumas e não percebem que o problema da Justiça é sistémico e não de reformazinhas;

(v) curiosamente também não incomoda a esquerda radical e todos aqueles que andaram por aí a gritar que estava em causa a democracia e a separação de poderes;

(vi) parece-me que os magistrados vão ficar isolados nas suas críticas que a propaganda do Governo vai apresentar como corporativas e como um sinal de que está a mexer com os interesses instalados;

(vii) nem os “pensadores da reforma” nem os articulistas panegíricos serão responsabilizados pela falta de resultados dentro de uns anos, pois não só são genericamente os mesmos das últimas reformas (lembram-se das grandes reformas de Laborinho Lúcio ou de Vera Jardim, e das pequenas reformas de António Costa ou de Celeste Cardona) como serão os mesmos das próximas reformas.

 

Reforma da Justiça (III)

Algumas notas sobre o artigo do Diário Económico sobre as reformas na Justiça. O efeito travão da Justiça no PIB tem sido estudado por vários economistas aqui em Portugal como no Banco Mundial. Pessoalmente sou muito céptico com estes estudos pois a complexidade do que é a Justiça não é facilmente quantificável. Qualquer número do 0 aos 3% parece-me possível.

Quanto à frase final, a minha opinião é que o problema da Justiça em Portugal não é uma questão de processo civil ou penal ou formal, mas de insuficiente interesse do Estado pela formação e qualificação das magistraturas bem como na governança do sistema.

Deste ponto de vista, o pacto da Justiça é claramente insatisfatório e insuficiente. Não só em relação ao CSM tudo não passa de palavras ocas (autonomia financeira e administrativa é tudo e é nada; veremos se há coragem política de transformar o CSM num CGPJ) como sujeitar a progressão dos juizes aos tribunais superiores a provas públicas do estilo que sabemos não resolve nada e pode agravar muitos problemas. A reserva de quotas para juristas de mérito parece-me um mau começo para um objectivo saudável, e temo que os tribunais superiores se transformem em plataformas flexíveis de políticos em fim ou em começo de carreira tal como já é o Tribunal Constitucional (muito possivelmente teremos como em Espanha os chamados juizes da 4a convocatória totalmente identificados com o partido no poder).

sábado, setembro 09, 2006

 

Reforma da Justiça (II)

As palavras do Ministro da Justiça no Diário de Notícias confirmam que as reformas do processo penal são fundamentalmente consequência do caso Casa Pia. Já todos sabíamos. Mas infelizmente apenas confirma que tudo está pendente até ao próximo caso. As reformas não são o produto de uma estratégia, de uma requalificação ou de uma alteração do modelo, mas sim de um processo mediático que afectou o bem-estar de uns tantos políticos. São sempre os mesmos, os mesmos que fizeram as outras reformas, fazem estas, e farão as próximas. Sempre em nome do interesse nacional e dos valores, sempre em proveito próprio e do bloco central. Haja paciência! Esperemos que da próxima vez a comunicação social lhes pergunte porque falharam, umas vez que não teve esse papel de exigência e monitorização.

sexta-feira, setembro 08, 2006

 

Reforma da Justiça

Chegou a reforma da justiça. Já não era sem tempo. Infelizmente penso que é prematuro dizer que o problema está resolvido. Arrisco mesmo que é muito possível que tudo fique essencialmente na mesma. O documento anunciado e aquilo que sai na comunicação social é demasiado abstracto. Existem muitos pontos positivos, mas também muito fica por ver ou dizer.

Desde logo não há reforma da Justiça, com os articulistas panegíricos anunciam, o que temos são reformas na Justiça. Portanto, não há uma mudança de paradigma ou modelo, como eu defendo, mas apenas a readequação do actual modelo aos problemas que os políticos não souberam resolver no passado.

Quanto ao conteúdo, aquilo que vemos até agora é tudo muito processual e formal, muito pouco na administração e organização e ainda menos na governança do sistema, e quase nada na formação e qualificação dos profissionais da Justiça. As medidas anunciadas para o CSM ou para o acesso aos tribunais superiores ou no contexto do novo mapa judiciário soam bem, mas tudo dependerá da sua implementação e execução, da liderança das reformas e da sua avaliação pelos profissionais da Justiça.

Também no mundo académico a promoção é por provas públicas (gosto da inclusão dos professores de Direito na promoção aos Tribunais da Relação e ao STJ – deve ser porque as faculdades de Direito em Portugal são o modelo de meritocracia que se pretende para a Justiça) e estamos onde estamos, quantos mapas da administração do território já tivemos e estamos onde estamos, a autonomia administrativa e financeira de tantos organismos do Estado só conduziu ao desperdício e à pequena corrupção (uma vez mais o mundo universitário é um excelente exemplo).

Ao contrário do que diz Vital Moreira, não é com estas reformas anunciadas que vamos ter uma justiça célere e superar o travão económico, mas sim com uma mudança de paradigma que passa pela qualificação das magistraturas que não se faz por decreto. E aqui nada de novo.

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