segunda-feira, maio 29, 2006

 

O Nome da Crise

Um excelente artigo do JLCN hoje no DN. Lembro-me quando defendia ao chegar a Portugal depois de viver quase dez anos no estrangeiro, em 2002, a ideia que estávamos no começo de um longo processo de empobrecimento relativo e continuado mas simultaneamente suave de tal forma que iria levar pelo menos uma década a notar-se os seus efeitos. Muitos colegas economistas achavam que não, no fundo era uma crise substancialmente parecida com outras anteriores, as tais outras quatro que o JLCN fala. Esta até de menor impacto no crescimento que as restantes (o JLCN ilustra bem com os dados estatísticos). Depois era a treta das expectativas (alguém acha que o FDI baseia as suas decisões de investimento no discurso do primeiro-ministro ou na propaganda política?; no fundo revela que a estratégia económica é hoje como sempre foi de crescimento por consumo privado interno e não por investimento).

O problema é que o estrangulamento desta vez não é nem macro nem micro, mas institucional, um tema que a maioria dos economistas descobriu tardiamente (repare-se que só agora começa a entrar na formação dos economistas e gestores os temas de análise institucional, e ainda tenho muitos alunos e alguns colegas que acham que isto não interessa para nada). Um estrangulamento institucional exige uma resposta que a sociedade portuguesa não sabe dar e a classe dirigente não está de todo sensibilizada. Historicamente acabou sempre com revoluções, guerra civil ou sangue; nunca reformámos as instituições em Portugal de forma ordeira e pacífica.

O maior erro que se ouviu estes anos e que insistentemente as várias propagandas governamentais usam é o de que com um pouco de esforço vamos lá. Não precisamos de um pouco de esforço distribuido por todos, nem de controle das contas públicas, nem de pequenas reformas; isso dá para os 1.7% de crescimento em 2007 mas jamais chegará aos 3 ou 4% que desejamos. O que precisamos é de reformar as instituições (como em paradigmas económicos muito diferentes fizeram D. João II, o Marquês de Pombal, os liberais de 1834, e Salazar) e isso nem no horizonte das prioridades políticas está. Veja-se o tratamento de choque no Japão, o exemplo mencionado pelo o JLCN, e perceba-se a profundidade e o alcance exigidos. O resto é conversa para ir ganhando eleições.

sábado, maio 27, 2006

 

As dúvidas de Fernanda Câncio no DN

O senhor em causa no artigo de FC no DN de hoje é Richard Posner. E diz o óbvio (pelo menos para mim mas pelos vistos não para a autora): entre torturar uma pessoa para salvar cinco mil e não torturar uma pessoa condenando à morte cinco mil, a escolha não oferece dúvidas (pelos vistos para a autora sim). Agora quando complicamos a decisão (porque infelizmente o mundo é mais complexo) e começamos a pensar que é possível salvar cinco mil sem torturar a uma pessoa ou que torturando a uma pessoa pode não salvar cinco mil, recomendo a leitura atenta do seu trabalho e evitar a demagogia fácil de quem manipula as citações para conferir uma autoridade intelectual.

 

Concorrência e Liberalização

As medidas anunciadas pelo PM para o sector das farmácias são muito positivas mas não correspondem a nenhuma liberalização como a máquina de propaganda logo afirmou, e vão ter um efeito mínimo para os consumidores. Enquanto o Governo não pagar o que deve às farmácias, o cartel da ANF será suficientemente forte para impedir alterações substanciais. Veremos pois que a abertura do mercado a não licenciados em farmácia terá muito pouco efeito prático a não ser que corresponde à entrada no mercado das grandes cadeias de supermercados de medicamentos que, sendo grandes, não são liberalizadoras. Podemos ambicionar a médio prazo a ter dois carteis como muito o que é melhor do que temos, mas não corresponde à liberalização anunciada.

Em contrapartida, as declarações do regulador do sector bancário sobre concentração e concorrência são mais um frete. Realmente o produto acabado do establishment português e do status quo que não nos vai levar a lado nenhum.
Todos nós consumidores podemos apreciar o elevado grau de concorrência na banca comercial todos os dias da nossa vida.

sexta-feira, maio 26, 2006

 

Timor-Leste

Enquanto a situação em Timor-Leste se agrava, lembro-me de todos os inteligentes que andaram estes anos a elogiar a maturidade democrática da elite timorense e o modelo institucional timorense que soube preservar a sua tradição portuguesa. E aqueles que contavam aquela história do Pai Natal, isto é, de como Portugal libertou Timor do imperialismo indonésio. Então, como agora, ou a Austrália resolve o problema, ou a coisa complica-se mesmo. Portugal chegará tarde e sem força, mas certamente teremos a nossa brilhante e dirigente elite a explicar mais tarde que foram eles que resolveram o problema como em 1975, como em 1998, como sempre.

 

ECONOMIC POLICY IS CRAP!

Caros cidadãos da blogosfera: este é um blog pluralista. Reagindo ao convite de um amigo, escrevi um texto para o blog http://thenewyorktrilogy.blogspot.com/ e acabei por me juntar ao blog quando percebi que a "triology" se referia a mim, ao fundador e a mais um grande amigo. O meu primeiro "post" chama-se "economic policy is crap" e é uma crítica ao intervencionaismo económico, no espírito do último parágrafo do meu post sobre eficiência. Uma provocação à sabedoria espontânea dos economistas....
Conventional economic wisdom tells us that markets fail to allocate efficiently society’s scarce resources an awful lot of times. Whether because people are stupid — definitely not as smart as the average economist — or because markets are largely imperfect institutions, a very popular — I would say overwhelmingly popular — branch of the economics profession claims that without strong economic policies there is going to be a lot of waste. Efficiency is the word economists use to define the pattern of evaluation of society’s managements of its scarce resources. When they claim, as they often do, that economic policy is needed for efficiency reasons, they are claiming that laissez-faire economies are not very economic at all.
There is a common distinction between “questions of equity” and “questions of efficiency”. Equity problems concern how the bundle of social scarce resources is distributed among the members of the social whole; efficiency problems concern how these resources are, within a given distributional framework, maximized ― in a word, if they are or aren’t producing the greatest sum of economic value. To prevent answers to these separate questions from interfering with each other, the Italian mathematician and social scientist Vilfredo Pareto developed the following conception of efficiency: a state of affairs is better than another one if, and only if, nobody is worse off and at least someone is better off. Put to its briefest, the Paretian standard means that because nobody is worse off after the change from one state of affairs to another, there has been no distributional impact whatsoever, while at the same time, since at least someone is better off, the same resources are producing more value. This resembles very clearly our intuitive notion of economics as wisdom concerned with economizing.
Markets typically produce Paretian outcomes, since people freely exchange resources in their own interest. An agreement, by mere definition, lefts both parties better off, at least from their own standpoint. But in some circumstances, which in practice are very frequent, markets fail to push further economic value. Consider a basic problem of high transaction costs: I am willing to sell my car for at least $500 and you are willing to buy it for up to $1000. In a world of zero transactions costs, we would happily exchange resources for mutual benefit. But now suppose the transaction ― summing up searching, bargaining and enforcement costs ― costs more than the $500 surplus. It makes impossible to exchange resources for mutual advantage. The mainstream economist would say that there is a straightforward remedy: economic policy. Transfer the car coercively from my hands to yours, and compensate me afterwards through the workings of the legal or the tax system.
Unfortunately, economic policy is wishful thinking …or just crap! Consider three different scenarios: a) at least one of the individuals changes his preferences; b) one of the individuals suddenly becomes aware of a better business alternative; c) unanticipated rise in the relative price of oil. Any of these banal events would erode the initial terms of the business evolving my car. It means that state intervention will hardly do any good: all the information on basis of which the policy was designed suddenly becomes obsolete. Moreover, we shouldn’t assume that public decision-makers are perfectly informed even about the present state of affairs ― they often, not to say always, work on a rather narrow picture of reality. Economic policy “presumes” two things: constancy of parameters and truthfulness of available surveys. Since these are, to say the least, ridiculous assumptions, economic policy does not benefit the economy at all.
Behind the excitement with policy in economic affairs, there is an impressive row of epistemological myths that I shall not explore in this place. It is enough to say that mainstream economics is an attempt to copy the methods of natural sciences and the dream of conventional economic wisdom is to carry this knowledge into policy-making. As much as physics and chemistry are crucial instruments for the engineer, economists claim that public economic policy can be turned out in a sort of social engineering. The late F.A. von Hayek called this obsession “scientism” and warned us against the dangers of it. No matter how sad trained economists are about it, it is impossible to describe the economy with the precision that steams from the work of the physicist. The reason is amazingly simple: in society everything is constantly changing, there is no constancy. The real economic problem that society faces is not to solve a big set of known equations, but to constantly calculate and re-calculate rates-of-exchange on basis of new parameters. And with all its imperfections, the old good invisible-hand is much better at doing this work than any self-proclaimed social engineer.

quinta-feira, maio 25, 2006

 

Construção de um Estado Moderno

Excelente artigo do Vital Moreira ontem no Diário Económico sobre o PRACE e as entidades reguladores. Infelizmente eu sou mais pessimista que ele. Acho mesmo que não há modelo, a confusão entre regulação e administração é uma realidade, e resulta mesmo de desconhecimento (insensibilidade nas palavras de VM). Tal como no Simplex, fica-se com a impressão que o elogio fácil que se vê na comunicação social resulta da falta de leitura dos documentos, muito desconhecimento sobre a matéria (já tive oportunidade de escrever sobre isso na avaliação legislativa) e claro está muitos fretes ao Governo (resulta interessante que alguns até já falam dos resultados a curto prazo destas reformas estruturais quando ainda não passaram do papel).

sexta-feira, maio 19, 2006

 

Too good to be missed

Do melhor que se faz em Portugal:
http://arioplano.blogspot.com/2006/05/blog-post_114748464024928197.html

quinta-feira, maio 18, 2006

 

Reforma do Apoio Judiciário

Em 2003-2004 fez-se a grande a reforma do apoio judiciário pela Ministra Celeste Cardona.
Em 2006 faz-se a grande reforma do apoio judiciário pelo Ministro Alberto Costa.
Cá estaremos em 2008... O porquê, basta ler uma análise rigorosa dos sistemas de apoio judiciário para perceber (vejam-se os estudos detalhados do DCA). Talvez fosse bom se o Diário Económico antes de fazer o frete pensasse um bocado mais sobre a análise económica do apoio judiciário...

quarta-feira, maio 17, 2006

 

O que é a Eficiência?

Na sequência de discussões anteriores, minhas ou de NGaroupa, com vários bloggers, achei que era conveniente fazer uma brevíssima nota sobre este tema. chamo a atenção para o facto de que não sou especialista na matéria e tenho credenciais reduzidas. Apesar disso, e convidando NGaroupa a corrigir eventuais erros, alguns apontamentos:

Os economistas distinguem "questões de eficiência" de "questões de equidade", indicando que as primeira se referem ao modo como os recursos sociais escassos são utlizados e as segundas ao modo como estão distribuídos na sociedade. As "questões de eficiência", dizem os economistas, são moralmente neutrais, porque não afectam a distribuição de recursos: o que se pretende é saber se o cabaz de recursos escassos da sociedade está a ser maximizado, está a produzir o valor económico máximo possível, dada uma certa distribuição inicial. Esta neutralidade é conseguida à custa da introdução de uma restrição na manipulação de variáveis económicas por razões de eficiência: ninguém pode ficar pior do que estava antes da intervenção, ninguém pode ficar "expropriado". Repare-se que é isso mesmo que acontece no mercado, onde as pessoas trocam volutariamente recursos porque beneficiam individualmente da troca. A conclusão, portanto, é que de facto as "questões de eficiência" são neutrais relativamente à distribuição inicial de recursos, o que não significa que sejam moralmente neutrais "tout court" (lembrem-se do princípio da diferença de Rawls). Esta ideia da eficiência como maximização restringida a uma certa distribuição foi expressamente elaborada pelo economista e sociólogo italiano Vilfredo Pareto. Há noções menos austeras de eficiência, que no fundo já são sensíveis a aspectos redistributivos (por motivos de eficiência!) e que são na prática as mais utilizadas, mas na literatura económica o paretianismo é uma espécie de vaca sagrada.

Um exemplo muito simples: uma pessoa atravessa o deserto com uma sede desesperante e vê um camelo abandonado carregado de vasilhas de água. Observa que o camelo tem dono e provavelmente fugiu do acampamento. Ele estaria disposto a para uma fortuna pela água, uma fortuna que o dono certamente aceitaria, mas não pode agora econtrá-lo para encetar negociações. Decide então beber a água à socapa. O dono do camelo entretanto chega, há uma zaragata e acaba tudo em tribunal a discutir se o dono do camelo tem ou não direito a uma indemnização pela água bebida sem consentimento. Uma decisão eficiente reconhece que a água foi valorizada ao deslocar-se das mãos do dono do camelo para as do peregrino e limita-se a fixar uma indemnização que permita compensar o dono do camelo pelo facto do seu património ter sido diminuído sem consentimento. O resultado final é aterradoramente simples: ambas as partes ficam melhor, o que significa que o recurso escasso "água" foi maximizado. Eis um exemplo de uma composição "eficiente" de um litígio.

Não se pode confundir eficiência com eficácia, como se vê fazer tantas vezes. A eficácia descreve a adequação de um meio para alcançar um fim. Por exemplo: a pena de morte ser ou não ser um meio eficaz para reduzir a quantidade de homicídios. No entanto, a eficiência preocupa-se com a alocação dos recursos: mesmo que seja eficaz, não será a pena de morte excessivamente cara? Quando se ouve, por exemplo, que "a incrimninação do aborto é um meio ineficiente de protecção da vida intra-uterina", está-se a confundir alhos com bugalhos.

Grande parte da análise económica em geral, e a do direito em especial (AED), preocupa-se com a descrição das condições segundo as quais a trocalivre e espontãnea é eficiente e aquelas em que não é. Estes últimos casos, têm a designação técnica de "falhas de mercado". A AED recomenda a correcção de falhas de mercado através da manipulação deuma variável económicamente poderosa: as normas jurídicas. Isto não torna a AED uma coisa "neoliberal" porque, como insisti muitas vezes, a eficiência (paretiana) procura ser neutral.

Infelizmente, na minha opinião a intervenção por razões de eficiência é uma ilusão, que se baseia na tentativa de descrever a interacção de forças económicas como os físicos descrevem a interacção de forças físicas: como um sistema que pode ser descrito por relações funcionais constantes entre variáveis. Como na economia, na sociedade, tudo é variável, as medições de eficiência são contingentes a um levantamento de dados limitado no tempo. O que é eficiente hoje pode deixar de o se amanhã, se um único indivíduo, por exemplo, mudar de preferências. A engenharia social não pode jamais ter a precisão ou o êxito da engenharia electroténcica, civil ou química. Por outro lado, noções não paretianas de eficência levantam tipicamente delicadas questões de filosofia moral e política que a análise económica negligencia. Mas estes são debates mais profundos que terão de ficar adiados.

segunda-feira, maio 15, 2006

 

Simplex complicações...

A 27 de Março de 2006, Nuno Garoupa criticou o elogio rasgado de Vital Moreira ao Teste Simplex, uma versão tosca das medidas de avaliação do impacto legislativo elaboradas na literatura sobre análise custo-benefício. A 31 de Março seguiu-se um artigo no público publicado conjuntamente por Garoupa e João Caupers intitulado "Teste Simplex ou Complex?A burocratização da desburocratização", cujo conteúdo me dispenso de resumir, tal a clareza do título, embora remeta o leitor curioso para http://nunogaroupa.blogspot.com/.

Ora bem: o elogio do Simplex laborado por Moreira, segundo Garoupa a 27/03 neste blog, pode ler-se no blog do primeiro "Causa Nossa", que como se vê pelo título fala de causas que tocam a Moreira e outros. O elogio do Simplex é uma "causa deles". Infelizmente, descobri com atraso que a mentora do Simplex é Maria Manuel Leitão Marques, nada mais nada menos do que mulher de Vital Moreira e elemento do "nós" que suporta a "causa" do blog. Não quero com isto dizer que o juízo de Moreira ficou irremediavelmente afectado, mas pelo menos levanta suspeitas. Se a "causa" ainda fosse só dele, poderia passar despercebida; mas a confiar no título, a "causa" é colectiva e ali Moreira quando fala é núncio de um fundo opinativo comum. Tenho dificuldade em compreender onde se quer ou pode chegar com opiniões com pedigrees tão simplexmente complicados...

Ainda sobre o Simplex e a sua autora: MML Marques foi minha Professora de Direito da Economia e apesar de discordar de quase tudo o que defende, reconheço sem reservas que é uma pessoa intelectualmente honesta e profissionalmente empenhada. Para aqueles que gostam de complicar ainda mais, vou já travar um veio especulativo: não tenho nenhuma razão de queixa pessoal e fui benevolentemente avaliado por MMLM.

O que é interessante é que me lembro perfeitamente de ter conversado com MMLM mais do que uma vez sobre as relações entre economia e direito e sobre as virtudes e pecados da análise económica do direito. Lembro-me de que MMLM se mostrou muito crítica do movimento, embora visse com bons olhos a introdução da análise custo benefício na avaliação das políticas. Julgo que o teste simplex reflecte, talvez com um excesso de simplexidade, esta opinião. E atenção: muita da simplexidade do simplex pode estar a associada mais a razões políticas impostas à mentora do que a deficiências técnicas! A minha experiência de aluno de MMLM aponta no sentido de que se trata de uma pessoa que não foge ao trabalho dedicado, às aplicações mais miúdas e aos pormenores mais fugidios.

Quanto a mim, até aplaudo com veemência a análise económica do direito, embora me arrepie a sua utilização para fins deliberadamente normativos. Numa palavra: tudo MENOS a análise custo-benefício! Simplex ou complex, as análises custo benefício baseiam-se em pressupostos normativos (ou ideológicos) muito redutores. E a minha opinião é que os economistas, por espontaneidade profissional, têm muita dificuldade em perceber como e porquê.

sábado, maio 13, 2006

 

Magistrados não Juristas?

Um comentário curto à provocação de Nuno Garoupa, como sempre muito saudável:

Antes de se discutir se os magistrados devem ter formação jurídica (acho enfaticamente que sim), pergunto onde é que chegaremos enquanto os magistrados SÓ tiverem formação jurídica. Salvo algunas casos de autodidactismo, que têm os seus riscos, os magistrados portugueses, tal como os restantes juristas, não sabem nada, ou muito pouco, de economia e humanidades. Já li considerações absurdas sobre problemas empresariais ou fenómenos históricos que só podem ser produto de uma cabeça arrepiantemente ignorante. A culpa não é dos magistrados, mas de quem julgou que um jurista só tem de saber de direito, sem perceber que se há coisa clara no direito é a complexidade e heterogeneidade dos problemas (das soluções nem por isso, "et pour cause...").

Arrisco uma informação "anecdotal": noventa e cinco por cento dos meus colegas de curso não sabem o que é uma empresa. Quer dizer: não compreendem claramente, já não digo conseguirem "explicar", o conceito! E a culpa não é deles! Não, não e não!!

 

Magistrados sem formação em Direito

Tem provocado grande controvérsia as palavras do MJ sobre recrutamento de magistrados sem formação em Direito. Veja-se o resumo aqui. Parece-me que a reacção de muitos magistrados uma vez mais não escolhe o caminho mais adequado, ridicularizando uma ideia de que não tem nada de ridículo. Desde o meu ponto de vista temos duas interpretações possíveis:

(i) Literal: o que diz o MJ é óbvio. Em muitos países, os magistrados podem não ter formação em Direito. Mais, tendo em conta os estudos popularizados pelo Banco Mundial (o projecto Lexis Mundis e o LLSV) em relação a eficiência judicial e os estudos do grupo do professor Stefan Voigt em relação à independência judicial, sabemos que os sistemas com magistrados sem formação em Direito funcionam melhor e têm maior independência judicial. Portanto, so what? O MJ não diz nada que não se saiba já...

(ii) Precedente: o que diz o MJ faz parte de um vasto programa reformista. Só tem sentido falar de magistrados sem formação em Direito no sistema português se este estiver próximo da sua maior reforma desde o code Napoleon. Para reagir a esse comentário do MJ, necessitamos ter acesso aos documentos do grupo de trabalho (existe?), os livros branco e verde (existem?), que apresentam a profunda reforma (existe?) onde esta pequena medida se insere. Nomeadamente, teremos de ver como se insere esta medida com novas carreiras de clerkship (não confundir com funcionários ou secretários judiciais), alterações processuais substanciais, reformas da governança e avaliação judicial, etc. Caso contrário, é puro disparate.

Teria gostado mais ver os magistrados solicitar ao MJ que explicasse como vai reformar todo o enquadramento judicial que permita potenciar os benefícios de magistrados não formados em Direito, ou se toda esta conversa é daqueles transplantes sem conteudo.

 

Produto do trabalho dos juizes

Respondendo à questão do Dizpositivo sobre a AED da magistratura judicial, o produto do trabalho do juiz é a resolução de um conflito de forma eficiente, isto é, maximizando o benefício social (nomeadamente internalizar as externalidades e reduzir assimetrias de informação) e minimizando o custo social (custos de, e não da como se vê escrito muitas vezes, transacção). Por isso, indicadores de workload são altamente inapropriados porque não medem a eficiência da resolução de conflito. Sobre porque é que a organização da magistratura judicial na sua forma continental não é a resposta mais adequada à resolução de conflitos de forma eficiente, veja-se o recentíssimo paper de Gillian Hadfield, professora na USC law school.

sábado, maio 06, 2006

 

Produtividade e Férias Judiciais

A discussão salutar de opiniões nem sempre coincidentes com vários bloggers do Dizpositivo sobre a produtividade dos magistrados levantam várias questões, algumas delas tendo como base o estudo patético sobre as férias judiciais. Três pontos parecem-me fundamentais:

(i) O que é a produtividade dos magistrados? Esta é uma questão filosófica e académica sobre o que significa performance judicial. A diferença importante entre a magistratura judicial e outras profissões de idêntico capital humano e grau de responsabilidade social prende-se com dois aspectos, (i) a independência (isto é, uma organização não hierárquica e irresponsável pelas consequências das suas decisões) e (ii) a dependência estrutural (isto é, um juiz está integrado numa equipa que é o sistema judicial e parte do seu output depende dessa mesma equipa). A actual teoria de avaliação de recursos humanos está mais que preparada para lidar com estas características peculiares;

(ii) Como medir a produtividade dos magistrados? Em particular, a metodologia de construção de indicadores que sejam satisfatórios quantitativamente (workload), qualitativamente (recursos que confirmam e recursos que não confirmam sentenças anteriores) e de ponto de vista da complexidade processual (aqui sim estamos muito atrasados na Europa porque as características processuais dos Estados Unidos facilitam estes indicadores, nomeadamente o uso massivo das citações e a tradição dos magistrados escreverem em law reviews sobre as suas sentenças);

(iii) Tratamento de dados estatísticos com vista aos indicadores de performance, nomeadamente saber se os dados disponibilizados pelo MJ podem satisfazer a metodologia adequada.

Enquanto, por exemplo, o estudo sobre a contingentação processual do Observatório da Justiça da UC é frustante mas correcto porque se limitou a responder ao ponto (i), toca ligeiramente o (ii), e nada diz do (iii), o estudo das férias judiciais saltou o (i) e o (ii) e foi directo ao (iii), um erro estrutural e metodológico.

A minha impressão é que em Portugal como na generalidade dos países de civil law –sendo a Espanha e a Holanda excepções-- ainda estamos no ponto (i), enquanto o Governo infelizmente se refugia no ponto (iii) para tomar decisões políticas (que até podem ser as mais adequadas, nisso sou agnóstico). Isso significa manipular dados estatísticos sem qualquer significado. Seria o mesmo que estando em aberto a discussão de como medir desemprego, o Governo utilizasse certas estatísticas para anunciar uma diminuição do desemprego. Ah! È que foi isso que fez em Março...

sexta-feira, maio 05, 2006

 

Estudo sobre Impacto de Reformas Legislativas

Surpreendemente alguns bloggers não conseguem distinguir entre um estudo científico de impacto legislativo e aquilo que fez o Governo nas férias judiciais. Pessoalmente não penso ser possivel fazer semelhante estudo com os dados actualmente disponíveis --por isso, aquilo que o MJ apresentou não supreende. Em contrapartida recomendo a quem se interessa por estes temas o estudo que fiz com a Clarisse Coelho sobre o impacto da reforma do regime jurídico do divórcio em Portugal, na versão em breve publicada no Journal of Empirical Legal Studies e disponivel no SSRN. Muito em breve espero produzir um outro estudo sobre a performance do Tribunal Constitucional português, neste momento a base de dados está ainda em construcção.

terça-feira, maio 02, 2006

 

Método espanhol

Segundo o Diário de Notícias, os juízes poderão avançar com uma acção judicial contra o Governo por causa da lei que congela a progressão das carreiras e o pagamento de suplementos remuneratórios a todos os funcionários públicos. Finalmente o método espanhol chega a Portugal: quando não gostamos de uma decisão do Governo, julgamos em causa própria. Muito prestigiante...

 

Somos um país de imigrantes qualificados

Segundo o Diário Económico Portugal poderá ser um país de imigração de cérebros.
Eu não sabia que hoje era 1 de Abril. Portugal sem dúvida que lidera e continuará a liderar a emigração de cérebros. Haja objectividade... Nem a academia portuguesa, nem as empresas, nem o Governo, nem a sociedade portuguesa em geral são simpáticos para a imigração de capital humano... e quando tenham dúvidas, perguntem aos poucos estrangeiros e aos muitos portugueses altamente qualificados que vieram de fora...

This page is powered by Blogger. Isn't yours?