quarta-feira, junho 28, 2006
Reforma do Mapa Judiciário (II)
As notícias hoje no Público (I) e (II) sobre o mapa judiciário são bastante mais positivas do que foi dito pelo secretário de Estado em meados de Junho pelo DE. Vamos esperar para ver. Não é um bom sinal anunciar antes de concluído o estudo, mas por outro lado se o que veio a público não correspondia ao que está a ser feito, fez bem o Ministro da Justiça em anunciar as linhas gerais e contrariar a ideia generalizada de que tudo não passava de cosmética. Continuarei com um espírito aberto até conhecer o estudo, pois tanto pode ser realmente uma pura cosmética (como ficou claro no DE de 18 de Junho e como diz Antonio Cluny hoje no Público) ou pode ser uma reforma mais ou menos profunda. Aguardemos pois o estudo do Observatório da Justiça. Esperemos sim que este seja feito público logo que possível e não seis meses depois.
terça-feira, junho 27, 2006
A Reforma da Justiça Continua
Demonstrando que este Governo é realmente diferente dos anteriores e está apostado numa reforma da justiça com sentido e estrutura, e não em medidas desconexas, pontuais e de duvidosa eficácia, reconhecendo que atirar dinheiro e recursos para cima do sistema não resolve mas agrava os problemas, o Público anuncia que o Ministério da Justiça vai criar dois tribunais liquidatários, em Lisboa e no Porto, para resolver exclusivamente a "elevada pendência" nos tribunais administrativos e fiscais. Sobre o resto, esperamos pelo novo modelo de gestão dos tribunais previsto na reforma do sistema judicial, que avançará até ao final do ano. Esta gente vai longe... Coitada da Justiça portuguesa... se não morre da doença morre da cura...
sábado, junho 24, 2006
Escolhas Trágicas
É a tradução literal do título de um livro de dois monstros jurídicos americanos: Guido Calabresi e Philip Bobbitt. O problema subjacente a todo o livro - um problema que está latente na obra de Calabresi desde o clássico da L&E "The Costs of Accidents" - é o de que a protecção de coisas valiosas faz-se à custa de outras coisas valiosas. Não há volta a dar: num mundo de recursos escassos, os sacrifícios são uma coisa banal. Escusado será dizer que é também esta a base da economia: a ciência dessa degraça humana que é a escassez...
Ora bem, a legitimidade e o processo de construção de um Estado são temas complexos que merecem considerações profundas, mas uma coisa é certa: o Estado só serve para alguma coisa se permitir aliviar o fardo das "escolhas trágicas". É trágico termos de escolher entre bananas e maçãs? Talvez não a esta hora e para mim, em que estou sentado a ver o Argentina-México do Mundial de Futebol. Mas há muitas pessoas por esse mundo fora para quem uma banana e uma maçã vêm mesmo a calhar. Só poder haver uma coisa ou outra é uma tragédia. Um outro exemplo pode ter mais ressonância, partindo do princípio de que quem lê os meus posts não está terrivelmente desesperado por uma banana: cada vez que anda na rua corre o risco, mesmo que todos os automibilistas cumpram as regras de trânsito, de ser atropelado. É trágico: ou não anda na rua ou corre o risco de ficar sem uma perna, um braço ou a mesmo a vida.
A que propósito vêm estas considerações? A insistência dos políticos portugueses em ignorar os custos de oportunidade dos elefantes brancos, em vez de invisterem em reformas que, no longo prazo, tornam a vida menos trágica. Casos típicos: alterna-se entre degradar o ambiente sem qualquer avaliação de custos e proteger pinturas rupestres que só interessam a meia dúzia de arquólogos desempregados; alterna-se entre deixar o país a arder e embarcar em compras megalómanas de equipamento para combater os fogos; alterna-se entre deixar andar a crise da segurança social e introduzir medidas vagas que acabam por pesar nos bolsos dos contribuintes; alterna-se entre conferir carta branca a práticas de rent seeking e incriminar tudo e mais alguma coisa.
Assim não pode ser. Há duas razões para a ineficácia e ineficiência dramática do Estado, incapaz de aliviar o fardo da tragédia social: falta de critérios de escolha pública e falta de informação relevante. Sem conhecimento, nestas duas vertentes, vamos continuar a ver o barco a afundar-se. Parafraseando a sinistra frase de Marx no primeiro parágrafo de "O 18 do Brumário de Luís Bonaparte": as proclamadas "reformas" aparecem duas vezes na história, primeiro como tragédia, e depois como farsa. Infelizmente, esta farsa deixou definitivamente de ser divertida e aprofunda a tragédia que é sermos pobres. Cada vez mais pobres...
Ora bem, a legitimidade e o processo de construção de um Estado são temas complexos que merecem considerações profundas, mas uma coisa é certa: o Estado só serve para alguma coisa se permitir aliviar o fardo das "escolhas trágicas". É trágico termos de escolher entre bananas e maçãs? Talvez não a esta hora e para mim, em que estou sentado a ver o Argentina-México do Mundial de Futebol. Mas há muitas pessoas por esse mundo fora para quem uma banana e uma maçã vêm mesmo a calhar. Só poder haver uma coisa ou outra é uma tragédia. Um outro exemplo pode ter mais ressonância, partindo do princípio de que quem lê os meus posts não está terrivelmente desesperado por uma banana: cada vez que anda na rua corre o risco, mesmo que todos os automibilistas cumpram as regras de trânsito, de ser atropelado. É trágico: ou não anda na rua ou corre o risco de ficar sem uma perna, um braço ou a mesmo a vida.
A que propósito vêm estas considerações? A insistência dos políticos portugueses em ignorar os custos de oportunidade dos elefantes brancos, em vez de invisterem em reformas que, no longo prazo, tornam a vida menos trágica. Casos típicos: alterna-se entre degradar o ambiente sem qualquer avaliação de custos e proteger pinturas rupestres que só interessam a meia dúzia de arquólogos desempregados; alterna-se entre deixar o país a arder e embarcar em compras megalómanas de equipamento para combater os fogos; alterna-se entre deixar andar a crise da segurança social e introduzir medidas vagas que acabam por pesar nos bolsos dos contribuintes; alterna-se entre conferir carta branca a práticas de rent seeking e incriminar tudo e mais alguma coisa.
Assim não pode ser. Há duas razões para a ineficácia e ineficiência dramática do Estado, incapaz de aliviar o fardo da tragédia social: falta de critérios de escolha pública e falta de informação relevante. Sem conhecimento, nestas duas vertentes, vamos continuar a ver o barco a afundar-se. Parafraseando a sinistra frase de Marx no primeiro parágrafo de "O 18 do Brumário de Luís Bonaparte": as proclamadas "reformas" aparecem duas vezes na história, primeiro como tragédia, e depois como farsa. Infelizmente, esta farsa deixou definitivamente de ser divertida e aprofunda a tragédia que é sermos pobres. Cada vez mais pobres...
quarta-feira, junho 21, 2006
Folheando o DE de hoje
Duas pequenas notícias hoje do DE merecem comentários.
Primeiro, a ideia de que quem faz a desjudicialização dos processos é o Estado (a oferta) e não a procura. Só pode levar ao desastre... Para além de regular, o Estado quer agora imiscuir-se na minha decisão de utilizar ou não os meios judiciários que eu como contribuinte pago. Rejeita-se o utilizador-pagador; agora querem rejeitar o pagador-utilizador. Uma política de retirada selectiva de processos, tal qual planeamento de economia central soviético, não nos vai levar a nenhuma parte. Em vez de se alterarem os incentivos, isto é, os preços relativos, o Estado quer impôr um plano quinquenal para saída de processos... enhorabuena!
Segundo, a inexistência de abogados del Estado faz parte daquela nuvem negra chamada contencioso administrativo que em Portugal tem características grotescas como aliás o meu companheiro de blog se tem referido mais de uma vez... Curioso que só agora comece a agitar as águas...
Primeiro, a ideia de que quem faz a desjudicialização dos processos é o Estado (a oferta) e não a procura. Só pode levar ao desastre... Para além de regular, o Estado quer agora imiscuir-se na minha decisão de utilizar ou não os meios judiciários que eu como contribuinte pago. Rejeita-se o utilizador-pagador; agora querem rejeitar o pagador-utilizador. Uma política de retirada selectiva de processos, tal qual planeamento de economia central soviético, não nos vai levar a nenhuma parte. Em vez de se alterarem os incentivos, isto é, os preços relativos, o Estado quer impôr um plano quinquenal para saída de processos... enhorabuena!
Segundo, a inexistência de abogados del Estado faz parte daquela nuvem negra chamada contencioso administrativo que em Portugal tem características grotescas como aliás o meu companheiro de blog se tem referido mais de uma vez... Curioso que só agora comece a agitar as águas...
Freakeconomics é um marco na AED
Enquanto em Portugal o livro Freakeconomics (Freakeconomia) de Steven Levitt e Stephen Dubner foi descoberto recentemente e excitou alguns convertidos, nos Estados Unidos tornou-se realmente um marco histórico mas pelas piores razões. Um dos visados, John Lott, processou por difamação Steven Levitt, Stephen Dubner e a editora. O caso é complicado, diz respeito a manipulação de dados (o que em Portugal é coisa normal), plágio (tb. bastante comum no mundo académico português), e a utilização parcimoniosa do sistema de referees (este sim não um problema em Portugal já que é inexistente). Veremos como acaba.
domingo, junho 18, 2006
Reforma do Mapa Judiciário
Se for verdade o conteúdo da noticia do DE de 6a feira sobre a reforma do mapa judiciário, já não resta dúvida que tudo não passou de conversa fiada. Não há extinção de comarcas judiciais. Não se mexem nos distritos judiciais. Não se toca no STJ. Aumenta-se o número de tribunais (que actualmente já é excessivo segundo o estudo do Conselho da Europa). Mais tribunais de instrução criminal. Mais tribunais comerciais. Mais tribunais de família. Inventam-se uns gestores segundo o modelo administrativo em vigor (que não tem nada de judicial ou lógica sócio-económica). Pobre Portugal... este é o reformismo que temos... Devo admitir que ainda assim fui dos enganados, pensei que realmente havia um simulador estatístico para desenhar de forma racional um novo mapa judiciário... afinal era mesma tudo conversa da treta...
sexta-feira, junho 16, 2006
Veto do PR à "Lei da Paridade"
Nuno Garoupa remeteu outro dia para um post de Ana Gomes no blog "Causa Nossa". Para variar, encontrei uma causa individual: um chorrilho de disparates da autoria de Ana Gomes. Não há paciência para esta senhora! O tema era o veto presidencial à lei da paridade. Para Gomes, "não há democracia sem paridade", uma afirmação tão estapafúrdia que aguardo impacientemente por esclarecimentos à altura.
Irrito-me geralmente com legalês e dogmatismo, mas permitam-me que chame a atenção para um ponto de ordem: segundo Gomes, um veto presidencial com fundamentos "subjectivos, ideológicos" (terminologia dela) ofende a democracia constitucional. É com pesar que tenho de corrigir esta cabutinice de Gomes - pesar por me aperceber que ao fim de tantos anos a incomodar as pessoas com intervenções disparatadas, Gomes esqueceu-se das noções mais básicas requeridas para passar com nota mínima um exame de direito constitucional de primeiro ano. Que pobreza franciscana! Vou abster-me de citar preceitos, por que suponho que qualquer jurista domina a matéria que vou sumariar: o PR pode vetar uma lei da Assembleia da República com fundamentos políticos ou jurídicos. O "veto político" baseia-se em razões "subjectivas, ideológicas" e tem pleno cabimento - goste-se ou não - num sistema de governo semi-presidencialista ou parlamentarista moderado. O "veto jurídico", como é evidente, surge na sequência de fiscalização preventiva da inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional. Como o nosso semi-presidencialismo é muito contido, o veto político pode ser superado se, devolvido o projecto à AR, for aprovado por uma maioria particularmente reforçada. O "veto político" funciona como um mecanismo para "colocar em cheque" a determinação política do parlamento. Como uma democracia não é uma tirania da maioria do momento presente, o PR surge como centro de deliberação política contrapontual. Como disse, no entanto, a última palavra no nosso sistema cabe sempre à AR.
Ultrapassado este episódio macabro, que é a incontinência opinativa de Gomes, resta o juízo sobre o mérito da decisão presidencial. A lei da paridade inspira-se, embora com muitos ingredientes tipicamente "continentais", na doutrina americana da "acção afirmativa", cujo objectivo é proteger as minorias discriminadas por poderes informais e até ocultos. O escopo do projecto era contudo mais focado: tratava-se de "parificar" o acesso aos cargos políticos e apenas no que respeita ao género (porquê esta restrição?! O art. 12º/2 da Constituição fala em raça, por ex.). O fundamento é obviamente a igualdade de oportunidades. Como liberal, não reconheço dignidade política à compensação de desiguladades no acesso a vantagens sociais ou políticas: se ninguém pode ser "responsabilizado", é intolerável onerar os indivíduos integrados nas "maiorias" ou grupos sociais favorecidos com regras de bloqueio. Levado às últimas consequências, o princípio legitima a redistribuição forçada, através de uma medida comum de valores, do prémio do Euromilhões ou dos talentos naturais de Ronaldinho Gaúcho. Num certo sentido, iluminado por uma parte importante da teoria política contemporânea de esquerda, todos estes factos são "moralmente arbitrários" - são casualidades. Eu concordo, mas nego que isto fundamente o emprego da coerção. No caso específico da "lei da paridade", começou-se pelo mais delicado: as listas eleitorais. Se há domínio em que a iguladade de oportunidades é mais perigosa, é nesse mesmo, por atacar claramente a liberdade de oferta política ao eleitorado e minar a concorrência puramente baseada no mérito e na competência. Em todo o caso, aconselho Ana Gomes a estudar um pouco mais ...e pode começar pela tal cadeira de primeiro ano!
Irrito-me geralmente com legalês e dogmatismo, mas permitam-me que chame a atenção para um ponto de ordem: segundo Gomes, um veto presidencial com fundamentos "subjectivos, ideológicos" (terminologia dela) ofende a democracia constitucional. É com pesar que tenho de corrigir esta cabutinice de Gomes - pesar por me aperceber que ao fim de tantos anos a incomodar as pessoas com intervenções disparatadas, Gomes esqueceu-se das noções mais básicas requeridas para passar com nota mínima um exame de direito constitucional de primeiro ano. Que pobreza franciscana! Vou abster-me de citar preceitos, por que suponho que qualquer jurista domina a matéria que vou sumariar: o PR pode vetar uma lei da Assembleia da República com fundamentos políticos ou jurídicos. O "veto político" baseia-se em razões "subjectivas, ideológicas" e tem pleno cabimento - goste-se ou não - num sistema de governo semi-presidencialista ou parlamentarista moderado. O "veto jurídico", como é evidente, surge na sequência de fiscalização preventiva da inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional. Como o nosso semi-presidencialismo é muito contido, o veto político pode ser superado se, devolvido o projecto à AR, for aprovado por uma maioria particularmente reforçada. O "veto político" funciona como um mecanismo para "colocar em cheque" a determinação política do parlamento. Como uma democracia não é uma tirania da maioria do momento presente, o PR surge como centro de deliberação política contrapontual. Como disse, no entanto, a última palavra no nosso sistema cabe sempre à AR.
Ultrapassado este episódio macabro, que é a incontinência opinativa de Gomes, resta o juízo sobre o mérito da decisão presidencial. A lei da paridade inspira-se, embora com muitos ingredientes tipicamente "continentais", na doutrina americana da "acção afirmativa", cujo objectivo é proteger as minorias discriminadas por poderes informais e até ocultos. O escopo do projecto era contudo mais focado: tratava-se de "parificar" o acesso aos cargos políticos e apenas no que respeita ao género (porquê esta restrição?! O art. 12º/2 da Constituição fala em raça, por ex.). O fundamento é obviamente a igualdade de oportunidades. Como liberal, não reconheço dignidade política à compensação de desiguladades no acesso a vantagens sociais ou políticas: se ninguém pode ser "responsabilizado", é intolerável onerar os indivíduos integrados nas "maiorias" ou grupos sociais favorecidos com regras de bloqueio. Levado às últimas consequências, o princípio legitima a redistribuição forçada, através de uma medida comum de valores, do prémio do Euromilhões ou dos talentos naturais de Ronaldinho Gaúcho. Num certo sentido, iluminado por uma parte importante da teoria política contemporânea de esquerda, todos estes factos são "moralmente arbitrários" - são casualidades. Eu concordo, mas nego que isto fundamente o emprego da coerção. No caso específico da "lei da paridade", começou-se pelo mais delicado: as listas eleitorais. Se há domínio em que a iguladade de oportunidades é mais perigosa, é nesse mesmo, por atacar claramente a liberdade de oferta política ao eleitorado e minar a concorrência puramente baseada no mérito e na competência. Em todo o caso, aconselho Ana Gomes a estudar um pouco mais ...e pode começar pela tal cadeira de primeiro ano!
Mais um sobre concorrência
Com algum atraso, mas recomendo mais um excelente artigo do VM sobre concorrência.
Não posso estar mais de acordo. E espero sinceramente que as duas decisões do Governo não configurem um primeiro passo para a governamentalização da AC. A recente nomeação de Amado da Silva para a ANACOM é um bom sinal, e em breve veremos conflitos entre a ANACOM e o Governo pois, tal como Abel Mateus e ao contrário de outros que por lá andaram, não é pessoa para fazer fretes.
Não posso estar mais de acordo. E espero sinceramente que as duas decisões do Governo não configurem um primeiro passo para a governamentalização da AC. A recente nomeação de Amado da Silva para a ANACOM é um bom sinal, e em breve veremos conflitos entre a ANACOM e o Governo pois, tal como Abel Mateus e ao contrário de outros que por lá andaram, não é pessoa para fazer fretes.
quarta-feira, junho 14, 2006
Futeboladas
O campeonato do mundo do desporto mais deliciosamente fanático do mundo começou e já tem coisas para dar a pessoas com preferências radicalmente diferentes:
I. O campeonato desportivo:
FRAUDE. Portugal vence uma equipa formada sobretudo com jogadores das divisões inferiores do já de si pouco recomendável futebol nacional e a "elite futebolística" - Madaís, Catarros e companheiros de banda - festeja loucamente. Mas o seleccionador não gosta e diz que os críticos desconhecem o números de "gomos da bola". Um pensamento que merece uma abordagem multi-disciplinar.
CINZENTO. O "quadrardo mágico" de Parreira - Ronaldo, Ronaldinho, Káká e Adriano - deu poucas mostras de magia num jogo medíocre contra os Croatas. Estamos todo em sintonia quando vemos que a este Brasil pode bem acontecer o que aconteceu às estrelas de Tele Santana em 1982?
CONTRASTES. A República Checa, apesar das humildes palavras de contenção de Nedved, continua a encantar, depois do Euro em terras lusas. O contraste é uma França que canta de galo mas nos últimos 4 anos é a galinha dos ovos podres.
II. O campeonato da boçalidade:
POLÍTICA: Lula da Silva, que se reúne em videoconferência com a selecção para debater as últimas dos treinos bidiários dos "canarinhos", quer saber se Ronaldo está gordo. Ronaldo estava adoentado e não compareceu, respondendo os colegas que "o cara está legal". "El gordo" não gosta e sugere que Lula é bêbado. O Presidente atemoriza-se e pede desculpa a Ronaldo, insistindo que não "queria ofender «o fenómeno»". No fim da história, mais uma videoconferência onde o camarada Lula e os jogadores do "escrete" contam as últimas do futebol e, quem sabe, da política!
CIDADANIA: Sampaio regressou - eu não tinha saudades...- e foi visitar os "tugas" ao centro de estágio. À saída declarou aos jornalistas que no fim do jogo com Angola demorou duas horas até se sentar para comer um Big Mac e beber uma Coca-Cola. E achou duas coisas notáveis: a) que um Presidente português tem de fazer cara de enjoado quando Portugal marca um golo (Cavaco, neste particular, deve ter rejubilado: não tem de representar!) e b) que o Big Mac marca um regresso à cidadania, o que por outras palavras significa que, pela ordem natural das coisas, o Presidente come espargos verdes com salmão fumado e os cidadãos comem fast-food.
CORRUPÇÃO: Pela enésima vez, o Sr. Blatter, Presidente dessa casa de batota que se chama FIFA, é acusado de estar envolvido num esquema de corrupção. Há fumo sem fogo, mas tanto fumo sem fogo é obra! Da "bota" da Europa, por outro lado, continuam a chegar notícias que envolvem árbitros, clubes e jogadores de futebol num esquema megalómano - e com efeitos agregados irracionais! - de corrupção. A Itália não deixou de ganhar ao Gana, mas o escândalo aquece os ânimos. E o árbitro designado para o mundial teve de ser substituído por ter sido envolvido na salgalhada do "Calcio".
Futeboladas para todos os gostos. Pergunta: Há outro fenómeno social como este? Talvez: a popularidade de José Sócrates...
terça-feira, junho 13, 2006
Dostoievski e a cvilização: A crise do sistema penal
Acabo de ler no recomendável "Dizpositivo", um blog de uma espécie em vias de extinção (juristas mais virtuosos que viciosos ), que os jornais britânicos anunciam graves perturbações no sistema de justiça penal inglesa, com o Governo de Blair a fazer eco de uma misteriosa voz popular que protesta por penas mais musculadas, decisões mais expeditas e palavreado mais pragmático. Do meu ponto de vista, só há uma leitura a fazer: muito maus sinas para aqueles que detestam a opressão e querem mais Estado-de-Direito.
Diz-se que Dostoievski afirmava ser o sistema penal o mlhor indício da maturidade civilizacional de um povo. Eu acrescentaria que o teste decisivo é a resposta da política criminal a uma onda criminógena nefasta, como o terrorismo global ou a criminalidade urbana motivada por perturbações sociais. Nestes casos, muita gente com vistas curtas protesta por um Estado mais forte e muitos Governos em crise vão atrás da conversa. A última vez que a Europa assistiu a estas contingências emocionais, acordou assombrada por regimes que não mostram nenhum respeito pelo invivíduo. O cidadão comum que se queixa no táxi ou na pastelaria que os criminosos andam à solta por causa do palavreado inútil dos magistrados mais conscienciosos esquece-se que amanhã pode acordar num palco kafkiano - caso em que, sem dúvida, se aperceberá do mal que fez, dos erros que cometeu e do efeito da sua negligência verbal.
Sou daqueles para quem é melhor ter 10 criminosos à solta do que 1 inocente encarcerado. Detesto que se brinquem com questões de prova, que se condene sem convicção inabalável e que se invada indiscriminadamente a autonomia das pessoas para obter - ou mesmo forjar - indícios da prática de um crime. Julgo não errar se disser que esta forma de pensar, apesar do contributo eslavo de Dostoievski, começa no lado lá do Canal da Mancha, onde por acidente histórico, mais do que qualquer outra coisa, se levou muito a sério a necessidade de conter entusiasmos políticos no sistema penal. Deus nos livre de perdermos essa referência moral por causa de uma imbecilidade política clamorosa!
sábado, junho 10, 2006
Notícias do Dia Seguinte
Prova documental (vídeos de práticas pedófilas) misteriosamente perdida nos corredores da investigação criminal do caso "Casa Pia", revogação governamental de uma decisão fundamentada da Autoridade da Concorrência quanto à Brisa, graxa insistente mas infecunda do Primeiro-Ministro a diversos líderes de multinacionais para "investirem" mais - ou pelo menos não investirem menos! - em Portugal, teimosia do Ministro das Finanças em manter previsões para crescimento e redução do défice apesar do aumento do preço do petróleo e das taxas de juro e combate político entre Ministra e professores travado através dos jornais, como a notícia de hoje no "Expresso" sobre o número de docentes com estatuto de incapacidade de serviço bem ilustra.
O que é tudo isto? É o relatório semanal sobre o estado do Estado Português. É caso único? Não - veja-se a Itália ou a França. O problema é que por cá a sociedade habituou-se a viver pendurada no Estado, um traço da cultura política lusófona brilhantemente descrito no clássico do brasileiro Raimundo Faoro "Os Donos do Poder". E em termos de sociedade civil, o relátório semanal é igualmente catastrófico: 10 mil professores "pedem" para não dar aulas por razões sobretudo psicológicas, médicos mostram-se "escandalizados" com acusações de cartelismo baseadas em dados objectivos, extrema-direita liderada por atrasados mentais com sintomas de psicopatia recebe tempo de antena e, finalmente, "O Expresso", um tablóide que passa por jornal sério num país como este, pergunta a um grupo de "capitalistas à portuguesa" se o mundial de futebol vai afectar seriamente a produtividade da economia portuguesa nas próximas semanas.
Os intelectuais, quando não caem em modas pós-modernistas ou latino-americanas, refugiam-se nestes casos na universidade. O que é mau para a "produtividade" nacional, não se duvide. Mas nós não corremos esse perigo: as universidades portuguesas são ainda muito piores que o Estado ou a Sociedade Civil. De modo que só resta rir muito, insistir nas ideias e cultivar o cinismo. Isto, claro está, quando não for caso para emigrar de vez...
sexta-feira, junho 09, 2006
Notícias do Dia
Sobre a decisão do Ministro da Economia no caso Brisa, a propaganda do Governo e o seu pendor reformista só apetece dizer when the going gets tough, the tough gets going... Ainda bem que temos uma AC independente... Veremos quando o Governo sucumbe à tentação de acabar com ela (o boato já andou nos jornais no ano passado em nome da legitimidade democrática...)
Olho para a primeira página do Independente online e sei que tudo deve ser mentira pois num Estado de Direito já tinhamos várias demissões. Procuradores que solicitam processos para arquivar (deve ser a tal independência que nós temos e os outros países não têm dado o seu modelo pouco avançado de justiça penal) e estatísticas que são deturpadas (felizmente que temos uma das administrações públicas com mais accountability), para não dizer manipuladas, à conveniência de quem tutela...
Olho para a primeira página do Independente online e sei que tudo deve ser mentira pois num Estado de Direito já tinhamos várias demissões. Procuradores que solicitam processos para arquivar (deve ser a tal independência que nós temos e os outros países não têm dado o seu modelo pouco avançado de justiça penal) e estatísticas que são deturpadas (felizmente que temos uma das administrações públicas com mais accountability), para não dizer manipuladas, à conveniência de quem tutela...
quarta-feira, junho 07, 2006
Incompatibilidades no Parlamento Português
Oiço na TSF aqui em Chicago as propostas do PCP e do BE. Não posso estar mais de acordo: o conflito de interesses é uma pandemia em Portugal que começa e acaba no poder político e nas profissões liberais. Ouço a desculpa do PS e da direita. São todos bons rapazes. E não podemos excluir os melhores. Deve ser por isso que Portugal está como está. Porque estamos governados pelos melhores desde sempre...
terça-feira, junho 06, 2006
Daquelas Frases que Ninguém Discorda
No seu blog, Ana Gomes discute o veto presidencial e diz uma daquelas frases de senso comum português que dizem muito de Portugal: "o progresso também se faz pela via legislativa - sempre se fez." Será certamente subscrita por muitos, mas não admira que o progresso em Portugal esteja como está, à espera do legislador...
A proprósito de JBMachado: Uma nota (hermética) sobre o "Positivismo Jurídico"
Outro dia, folheava o livro de Introdução ao Direito do saudoso Porfessor João Baptista Machado relembrando a influência que exerceu sobre mim no meu primeiro ano de curso, apesar do seu estilo hermético, a sua por vezes gritante falta de coerência e sobretudo o carácter intelectualmente esquemático da sua obra, que reflecte um pensamento inacabado e muitas vezes intuitivo. Apesar de tudo isto, trata-se de um belo livro de um dos grandes cérebros jurídicos que passaram pela universidade portuguesa - um homem que, aliás num contexto pessoal muito adverso, mostrou uma sabedoria, criatividade e ocasional genialidade que o transformam num pensador de primeira ordem, capaz de impressionar qualquer audiência nacional ou estrangeira.
Impressionou-me uma passagem, creio que no segundo capítulo, onde JBM diz que não há direito sem "positividade", por um lado, mas que o "sentido" - ou a essência - do direito é a justiça. Há aqui a percepção de uma ambiguidade que escapou a muita intelligentsia jusfilosófica nacional, até aquela que é citada mesmo quando não lida porque ilegível, e que JBM detectou: todo o direito é positivo, ou não é direito. Mas a ambiguidade regressa quando junta a justiça, por chocar que o direito possa só ser positivo ou que a sua positividade o distinga de outros "complexos sociais normativos".
A ambiguidade é tola, digo eu. Mas claro que, em princípio, o tolo sou eu. Os juristas dão como certa a diferenciação do direito de outras ordens sociais normativas - como a moral positiva, a religião positiva e as normas de trato social. E depois procuram diferenciar "o jurídico" com um valor - a justiça. Infelizmente, julgo tratar-se de um vício espontâneo de jurista: é que não só a justiça é um problema (senão "o" problema) moral, como a vaga filosófica pós-rawlsiana bem demonstra, como a especificidade do direito está na sua positividade. É que o direito é o único sistema de regras em que a validade depende das fontes enão dos méritos - da "positividade" e não da "verdade". Uma regra moral continua a sê-lo mesmo que não tenha qualquer papel efectivo numa certa sociedade e a sua validade depende de ser moralmente boa, não de ser reconhecida como obrigatória. Pelo contrário, as regras jurídicas são jurídicas porque regulam efectivamente - são praticadas - e porque são reconhecidas como obrigatórias. Daqui resultam pelo menos duas consequências: uma regra pode ser ao mesmo tempo jurídica e moral, embora a sua validade jurídica e moral tenham conteúdos radicalmente diferentes, e muitas regras a que teimamos em negar estatuto jurídico são obviamente regras jurídicas - por exemplo, a regra, pelo menos vigente nos meios rurais, segundo a qual se deve tirar o chapéu na igreja ou a regra segundo a qual se deve cumprimentar os vizinhos.
Não vou explicar aqui porque é que julgo que é epistemologicamente arbitrário excluir certas regras sociais do "conceito" de direito. Diria apenas que resulta de uma confusão tola entre Estado e direito, que conduz muita gente a desconfiar da juridicidade do direito internacional ou canónico, sem se aperceber que cometem aquele erro grosseiro - dito "cientista" - de manipular a experiência para manter uma má teoria e um mau campo conceptual.
Termino com uma afirmação que pode provocar alguns dissabores na cultura jurídica "popular": todo o direito é positivo e os positivistas tinham razão. Acrescento apenas que muitos anti-positivistas não sabem três coisas sobre o positivismo: primeiro, que o positivismo consolidado não afirma, antes nega, que todo o direito seja assitido pela coerção organizada ou mesmo difusa; segundo, que o positivismo jurídico não tem patavina que ver com o positivismo filosófico, embora tenham existido escolas jurídicas positivistas neste último, e bem diverso, sentido; terceiro, que no mundo algo-americano considera-se acabado o debate sobre o positivsmo com vitória de Hart e seus seguidores. E nem um anti-positivista (sê-lo-á?) tão moderado como Dworkin tem hoje uma falange de adeptos significativa. Quanto a gente como John Finnis, embora gente brilhante, só se ouvem a si próprios. Exemplos que a cultura jurídica continental, amarrada ao casamento paradoxal entre legalismo e "anti-positivismo", deveria meditar!
Impressionou-me uma passagem, creio que no segundo capítulo, onde JBM diz que não há direito sem "positividade", por um lado, mas que o "sentido" - ou a essência - do direito é a justiça. Há aqui a percepção de uma ambiguidade que escapou a muita intelligentsia jusfilosófica nacional, até aquela que é citada mesmo quando não lida porque ilegível, e que JBM detectou: todo o direito é positivo, ou não é direito. Mas a ambiguidade regressa quando junta a justiça, por chocar que o direito possa só ser positivo ou que a sua positividade o distinga de outros "complexos sociais normativos".
A ambiguidade é tola, digo eu. Mas claro que, em princípio, o tolo sou eu. Os juristas dão como certa a diferenciação do direito de outras ordens sociais normativas - como a moral positiva, a religião positiva e as normas de trato social. E depois procuram diferenciar "o jurídico" com um valor - a justiça. Infelizmente, julgo tratar-se de um vício espontâneo de jurista: é que não só a justiça é um problema (senão "o" problema) moral, como a vaga filosófica pós-rawlsiana bem demonstra, como a especificidade do direito está na sua positividade. É que o direito é o único sistema de regras em que a validade depende das fontes enão dos méritos - da "positividade" e não da "verdade". Uma regra moral continua a sê-lo mesmo que não tenha qualquer papel efectivo numa certa sociedade e a sua validade depende de ser moralmente boa, não de ser reconhecida como obrigatória. Pelo contrário, as regras jurídicas são jurídicas porque regulam efectivamente - são praticadas - e porque são reconhecidas como obrigatórias. Daqui resultam pelo menos duas consequências: uma regra pode ser ao mesmo tempo jurídica e moral, embora a sua validade jurídica e moral tenham conteúdos radicalmente diferentes, e muitas regras a que teimamos em negar estatuto jurídico são obviamente regras jurídicas - por exemplo, a regra, pelo menos vigente nos meios rurais, segundo a qual se deve tirar o chapéu na igreja ou a regra segundo a qual se deve cumprimentar os vizinhos.
Não vou explicar aqui porque é que julgo que é epistemologicamente arbitrário excluir certas regras sociais do "conceito" de direito. Diria apenas que resulta de uma confusão tola entre Estado e direito, que conduz muita gente a desconfiar da juridicidade do direito internacional ou canónico, sem se aperceber que cometem aquele erro grosseiro - dito "cientista" - de manipular a experiência para manter uma má teoria e um mau campo conceptual.
Termino com uma afirmação que pode provocar alguns dissabores na cultura jurídica "popular": todo o direito é positivo e os positivistas tinham razão. Acrescento apenas que muitos anti-positivistas não sabem três coisas sobre o positivismo: primeiro, que o positivismo consolidado não afirma, antes nega, que todo o direito seja assitido pela coerção organizada ou mesmo difusa; segundo, que o positivismo jurídico não tem patavina que ver com o positivismo filosófico, embora tenham existido escolas jurídicas positivistas neste último, e bem diverso, sentido; terceiro, que no mundo algo-americano considera-se acabado o debate sobre o positivsmo com vitória de Hart e seus seguidores. E nem um anti-positivista (sê-lo-á?) tão moderado como Dworkin tem hoje uma falange de adeptos significativa. Quanto a gente como John Finnis, embora gente brilhante, só se ouvem a si próprios. Exemplos que a cultura jurídica continental, amarrada ao casamento paradoxal entre legalismo e "anti-positivismo", deveria meditar!
sexta-feira, junho 02, 2006
Malditos Números
Sem dúvida que precisamos de olhar para a big picture mas o que os números mostram é que não havia nenhum descongestionamento dos tribunais em 2005, mas mais grave, nem sequer uma inversão da tendência ponziana (as pendências continuam a aumentar). Deve ser uma grande surpresa no MJ depois das reformas profundas que fez e para os autores dos variados estudos que suportaram essas pseudo-reformas. Nada que não se fosse previsto neste e em muitos outros blogs logo depois do anúncio das medidas de descongestionamentos dos tribunais. Continuamos a brincar com o fogo.
PS Em resposta a este post recebi um email de uma leitora atenta chamando a atenção para o facto das medidas do plano de descongestionamento estarem ainda em fase de implementação e só com efeitos em 2006. Fica o registo. E a minha previsão de que nada substancial se alterará em termos de grandes números e tendência ponziana.
PS Em resposta a este post recebi um email de uma leitora atenta chamando a atenção para o facto das medidas do plano de descongestionamento estarem ainda em fase de implementação e só com efeitos em 2006. Fica o registo. E a minha previsão de que nada substancial se alterará em termos de grandes números e tendência ponziana.
quinta-feira, junho 01, 2006
Ainda a Prova Proibida: Contraditório
O volume de reacções ao meu texto foi tão excepcional que julgo interessante reproduzir o meu último contra-comentário. Fico muito contente por estarmos a debater este tema tão sério!
Meus caros comentadores, discordo do que dizem e, sem me permitem, ainda bem! Chega de consensos podres nas grandes questões. Vamos ao que interessa:
Quanto a "JTR": o que eu digo é que o regime das nulidades não protege justamente os direitos fundamentais, porque não cria incentivos apropriados. Por outro lado, não faz sentido prejudicar a verdade material se as informações contidas em prova proibida forem valiosas. Eu defendo incentivos contra a violação da lei - no limite a responsabilidade criminal dos agentes policiais e/ou magistrados do MP -,ao mesmo tempo que rejeito o desperdício da verdade material!
Quanto a "anonymus": discordo inteiramente do que diz. O inquérito é uma fase marcada pelo unilateralismo e o secretismo, em que a produção de prova não está sujeita ao contraditório. A utilização de prova produzida no inquérito - ou mesmo instrução - na audiência de julgamento, contraria a estrutura acusatória do processo penal português. Num processo penal acusatório a inquérito e o julgamento estão iteiramente divorciados: eu até acho que a nossa lei é muito benevolente com transacções entre investigação e julgamento. Se quisermos evitar palhaçadas inquisitoriais, temos de acabar de vez com a concepção do inquérito como uma "fase preliminar" do processo. Eu defendo que deveria haver um processo de investigação e instrução e um de julgamento e que o princípio do acusatório deveria ser levado até às últimas consequências.
Quanto a "Moreira das Neves": apesar de já ter lido o livro do Canotilho todo - e olhe que não devem ter sido muitos os que o fizeram... - no meu primeiro ano de curso, tenho dificuldade em penetrar em algumas reflexões criptografadas. A que cita é uma delas: para além de algumas considerações pouco elevadas - em termos de nível de argumentação - sobre o conceito de direito, a citação final da famosa frase de R. von Jhering (e não Jiering... gralha?) é deslocada! Em todo o caso partilho da sua preocupação com a liberdade (tem lido os meus posts? Sou muito-muito-muito liberal!) e não vejo onde é que o que proponho contenda com essa preocupação.
Muito Obrigado pelos vossos comentários!
Meus caros comentadores, discordo do que dizem e, sem me permitem, ainda bem! Chega de consensos podres nas grandes questões. Vamos ao que interessa:
Quanto a "JTR": o que eu digo é que o regime das nulidades não protege justamente os direitos fundamentais, porque não cria incentivos apropriados. Por outro lado, não faz sentido prejudicar a verdade material se as informações contidas em prova proibida forem valiosas. Eu defendo incentivos contra a violação da lei - no limite a responsabilidade criminal dos agentes policiais e/ou magistrados do MP -,ao mesmo tempo que rejeito o desperdício da verdade material!
Quanto a "anonymus": discordo inteiramente do que diz. O inquérito é uma fase marcada pelo unilateralismo e o secretismo, em que a produção de prova não está sujeita ao contraditório. A utilização de prova produzida no inquérito - ou mesmo instrução - na audiência de julgamento, contraria a estrutura acusatória do processo penal português. Num processo penal acusatório a inquérito e o julgamento estão iteiramente divorciados: eu até acho que a nossa lei é muito benevolente com transacções entre investigação e julgamento. Se quisermos evitar palhaçadas inquisitoriais, temos de acabar de vez com a concepção do inquérito como uma "fase preliminar" do processo. Eu defendo que deveria haver um processo de investigação e instrução e um de julgamento e que o princípio do acusatório deveria ser levado até às últimas consequências.
Quanto a "Moreira das Neves": apesar de já ter lido o livro do Canotilho todo - e olhe que não devem ter sido muitos os que o fizeram... - no meu primeiro ano de curso, tenho dificuldade em penetrar em algumas reflexões criptografadas. A que cita é uma delas: para além de algumas considerações pouco elevadas - em termos de nível de argumentação - sobre o conceito de direito, a citação final da famosa frase de R. von Jhering (e não Jiering... gralha?) é deslocada! Em todo o caso partilho da sua preocupação com a liberdade (tem lido os meus posts? Sou muito-muito-muito liberal!) e não vejo onde é que o que proponho contenda com essa preocupação.
Muito Obrigado pelos vossos comentários!
Pluralidade do Debate
Não gosto do USA Today mas aqui no hotel em Chicago é o que há. Contudo tem hoje um artigo bastante interessante de David Horowitz, um antigo intelectual das esquerdas radicais (aqui liberals). Ele diz que conheceu bem essa esquerda que andou anos a bater-se na universidade pela pluralidade de ideias mas, na opinião dele, esta acabou por instalar um politicamente correcto que proíbe qualquer discussão. Já não se trata de educate mas brainwash. E qualquer ideia que não tenha por base o mesmo conjunto de premissas ideológicas que o dito politicamente correcto da esquerda impõe nem sequer entra no conjunto de ideias admissíveis a debate. Temos pois uma falsa pluralidade: só entre para o conjunto de ideias aquelas que aceitam determinadas premissas e depois então entre essas sim permite-se pluralidade. É a intolerância da tolerância como aliás se viu na demissão do Larry Summers em Harvard. Horowitz quer resolver o problema com legislação. Parece-me contudo uma via segura para o desastre.
O problema também existe em Portugal. Veja-se a Sociologia, a História, ou o Direito. Pluralidade é coisa que não há e não se conhece. E os poucos, ou muitos, cientistas sociais que chegam a Portugal com outra visão não têm colocação. Mas ainda assim confío mais na mão invisivel para resolver este problema do que em legislação. Levará tempo mas acontecerá. Porque os monopólios, mesmo no mercado das ideias, envelhecem e perdem a batalha da inovação...
O problema também existe em Portugal. Veja-se a Sociologia, a História, ou o Direito. Pluralidade é coisa que não há e não se conhece. E os poucos, ou muitos, cientistas sociais que chegam a Portugal com outra visão não têm colocação. Mas ainda assim confío mais na mão invisivel para resolver este problema do que em legislação. Levará tempo mas acontecerá. Porque os monopólios, mesmo no mercado das ideias, envelhecem e perdem a batalha da inovação...
Regras estúpidas para coisas sérias: a proibição da prova no CPP!
Qualquer jurista com um mínimo de bom senso e intuição - deixem lá estar a sabedoria - jurídica sabe que o Código de Processo Penal, apesar do frenesim público, é uma lei muito mais geométrica, subtil e cómoda que o Código de Processo Civil, esse monstro de imbecilidade legislativa. Apesar disso - e sem aflorar os temas "quentes" e candentes, como as medidas de coacção ou as escutas telefónicas - contém algumas regras sobre prova que são de bradar aos céus. Refiro-me em particular ao regime da proibição da prova, segundo o qual as ilegalidades na recolha e produção da prova são sancionadas com a nulidade da prova, em princípio insanável. Trata-se de um regime completamente contraproducente! Examinemos um caso-padrão elementar: A PJ faz uma busca domiciliária sem autorização judicial. No decorrer dessa busca, decobre a arma do crime. Segundo o regime da proibição da prova, que recolhe o aplauso da doutrina dominante e suscita muita simpatia na jusrisprudência, como o meio de obtenção é ilegal, a prova deve ser desconsiderada. Ora, isto faz algum sentido? Claro que não. Vou tentar explicar brevemente o que faz sentido.
O processo penal funciona primariamente como um instrumento de aplicação do direito penal substantivo. O direito penal liga certas consequncias a "factos": "quem matar, é punido", "quem for inimputável é exculpado", "quem desistir não é punido", etc. Verifica-se, todavia, que os factos vertidos no processo - e acessíveis aos sujeitos que investigam e julgam - não são este factos que relevam para o dieito substantivo, mas outros factos - os factos probatórios, as provas - que medeiam entre o juízo no processo e a verdade material. No processo não há "os factos" penalmente relevantes, mas factos que a esses podem conduzir. Por outro lado, antes do fim do processo - por definição - não há nenhuma certeza juridicamente válida (repare-se: juridicamente, porque certeza ontológica não há nunca, nem nos casos de confissão total e incondicional!). Ora, como a recolha dos factos probatórios - dos meios de prova, se quiserem - obriga a intromissões na esfera protegida das pessoas - nos seus direitos - há um enorme paradoxo moral, e incontornável, no processo criminal: antes de se concluir que há razões para punir, tem-se que atacar situações protegidas pelo direito substantivo, geralmente o próprio direito constitutional. As regras sobre prova constituem, em larga medida, respostas a este paradoxo. Quando se limitam as escutas telefónicas, está-se a harmonizar a liberdade individual e a privacidade com a procura da verdade material. No entanto, depois de se violar essas regras, já se estão a violar os direitos das pessoas envolvidas. O caldo já está entornadíssimo! Ora, não faz sentido acrescer a este acto desvalioso um outro: impedir que as informações obtidas ilegalmente sejam utilizadas quando tiverem valor probatório. É absurdo! O nosso regime deveria contemplar antes um sistema que obrigasse o Estado a indemnizar os particulares quando as regras de obtenção da prova fossemvioladas sem que daí resulte nenhum elemento cardeal para a investigação. Por outro lado, para evitar que os sujeitos que investigam possam violar as regras a seu bel-prazer, os próprios agentes policiais e magistrados deveriam responder civil e até, em casos pontuais, criminalmente, sempre que violassem as regras. Mas depois de violados os direitos, as informações devem ser utilizadas em nome da verdade material. As excepções a este modelo só devem contemplar aqueles casos em que o meio de obtenção não só viola os direitos como não é de modo algum credível: refiro-me aos casos de torutra, maus tratos, etc.
Em vez de se discutirem os fins, dever-se-iam discutir os meios. É que os valores vertidos no CPP não são distorcidos; o que falta é saber aplicá-los. É aquela tendência das legislaturas nacionais para o desleixo...
O processo penal funciona primariamente como um instrumento de aplicação do direito penal substantivo. O direito penal liga certas consequncias a "factos": "quem matar, é punido", "quem for inimputável é exculpado", "quem desistir não é punido", etc. Verifica-se, todavia, que os factos vertidos no processo - e acessíveis aos sujeitos que investigam e julgam - não são este factos que relevam para o dieito substantivo, mas outros factos - os factos probatórios, as provas - que medeiam entre o juízo no processo e a verdade material. No processo não há "os factos" penalmente relevantes, mas factos que a esses podem conduzir. Por outro lado, antes do fim do processo - por definição - não há nenhuma certeza juridicamente válida (repare-se: juridicamente, porque certeza ontológica não há nunca, nem nos casos de confissão total e incondicional!). Ora, como a recolha dos factos probatórios - dos meios de prova, se quiserem - obriga a intromissões na esfera protegida das pessoas - nos seus direitos - há um enorme paradoxo moral, e incontornável, no processo criminal: antes de se concluir que há razões para punir, tem-se que atacar situações protegidas pelo direito substantivo, geralmente o próprio direito constitutional. As regras sobre prova constituem, em larga medida, respostas a este paradoxo. Quando se limitam as escutas telefónicas, está-se a harmonizar a liberdade individual e a privacidade com a procura da verdade material. No entanto, depois de se violar essas regras, já se estão a violar os direitos das pessoas envolvidas. O caldo já está entornadíssimo! Ora, não faz sentido acrescer a este acto desvalioso um outro: impedir que as informações obtidas ilegalmente sejam utilizadas quando tiverem valor probatório. É absurdo! O nosso regime deveria contemplar antes um sistema que obrigasse o Estado a indemnizar os particulares quando as regras de obtenção da prova fossemvioladas sem que daí resulte nenhum elemento cardeal para a investigação. Por outro lado, para evitar que os sujeitos que investigam possam violar as regras a seu bel-prazer, os próprios agentes policiais e magistrados deveriam responder civil e até, em casos pontuais, criminalmente, sempre que violassem as regras. Mas depois de violados os direitos, as informações devem ser utilizadas em nome da verdade material. As excepções a este modelo só devem contemplar aqueles casos em que o meio de obtenção não só viola os direitos como não é de modo algum credível: refiro-me aos casos de torutra, maus tratos, etc.
Em vez de se discutirem os fins, dever-se-iam discutir os meios. É que os valores vertidos no CPP não são distorcidos; o que falta é saber aplicá-los. É aquela tendência das legislaturas nacionais para o desleixo...